segunda-feira, 4 de agosto de 2008

SEM CHANCE

Tá, tá, tá. Viver? Viver assim tipo o cara acreditar que a vida é uma coisa tão grande e importante como a palavra e-xis-tên-cia? O pessoal leva fé, não é não? Pois vejo um aviso prévio nisso tudo. Que vida que nada. Isso é coisa pra (desculpe o mau jeito) trouxa. Trouxa que é – vá lá! – esperto. Mas dessa esperteza eu me canso, tenho um desânimo que só vendo. Vida? Sei o que é, nada que se possa chamar de importante. Sei, sei. Roupa boa, saldo no banco que não te dê vergonha de dizer na frente dos colegas. Pois é, e os colegas. Cada um tem o seu ritmo, dizem. E tu te fodes enquanto eles se arrastam, saem para fumar no corredor, bebericar café de duas em duas horas, ir no banheiro, mijar ou retocar a maquiagem, sei lá quantas vezes. Vida é pra idiota, que se alegra com bobagem; pra louco, que é louco mesmo e enxerga o que quer ver; pra filho-da-puta, que só vai chorar pela mãe quando ela estiver morta. E, cá pra nós, não será por ela, será por ele. E ele não vai perceber que chorar por ele será por ela. Enfim, complicado demais pra essa gente demasiadamente ocupada em escalar a montanha social, alta. Como é alta, meu Deus do céu, aqui debaixo eu vejo. Vida é isso. Nada. Ou uma bosta que aparenta muito. O que é pior que nada, porque além do oco de sentido da coisa tem a pretensão de ser mais do que é. E eu não quero nada com a vida, entende? Não entende? Como não entender que alguém não queira nada com a vida? Não falo daquela, nos livros de ciências naturais, de zoologia, de botânica, de física, de astronomia. Falo da vida que arranjaram agora pra todo mundo consumir, a vida dos shoppings, das sextas e sábados à noite das baladas, dos domingos à tarde em estádio de futebol, dos churrascos de fim de semana apertando família que mente que é unida quando o que os une é uma cadeia de dívidas, favores em troca de outros piores, mais caros, um elo venenoso, criança sendo respondida com indiferença, impaciência ou com a alegria bestial dos que subestimam a imaginação infantil. Vida. Sei. Ouço sobre isso desde que nasci. Passei dos cinqüenta. Tenho tido que aturar essa merda de papo sobre a crise da meia-idade. Se fosse verdade, eu já tinha crise aos quinze. E tinha. Quem não tem, sendo capaz de ver ao menos um palmo além do nariz? Levei umas três décadas para descobrir isso: um homem é só uma máquina de enganar imbecis, inclusive a si próprio, produzindo risada e excreções fácil, fácil, ou uma máquina fria de subir ao pódio dos resultados que, afinal, são o que conta para falarem do sujeito enquanto ele respira e anda pelas ruas. Anda pelas ruas? Nananinanão. Rua está proibido. Viu o Rio de Janeiro? Viu São Paulo? Rua é para Catuípe, Veranópolis, Não-Me-Toque. Rua de fato é aquela que tem calçamento limpo, sem obstáculos, e árvores e gente passando e se cumprimentando sem pressa em perímetros urbanos de no máximo 30.000 habitantes. Mais que isso vira praça de guerra. Ou já vai virar, espera o próximo noticiário. Vida é pra fazer da mulher um poço de esperança com uma figura mitológica falecida, o Amor, esperança lançada na direção de um sacripanta, o homem cada vez mais infantilizado. Vida é pro homem virar no que é, um felino competitivo ou um relaxado cagando e andando para tudo, menos para ele mesmo, e isso quando no fundo ele não está, de fato, se lixando para absolutamente tudo, ele incluído. É caso para desistir? É claro que sim. Mas aí passaram os anos; há filhos na roda, sobretudo filhos; tem ex-mulher querendo te pôr na cadeia; tem ex-mulher querendo te pôr de novo na cama; tem ex-mulher, e pior que ex é sempre a atual, que custa mais caro, mais do que podes pagar. Vida, vida mesmo, era uma facada de prata do sol na água do açude quando se tinha sete anos. O açude hoje é um areião brabo de onde não se tira nada. O sol, com o furo da camada de ozônio, tá nos matando, que nem a bomba de Hiroxima, só que bem devagarinho. A lua virou piada desde 1969 quando os americanos foram lá e enfiaram uma bandeira listrada no cu daquelas rochas e ficaram dando pulinhos na nossa cara. Vida. Sei. (04/08/2008)

8 comentários:

Anônimo disse...

Esse post poderia ter o seguinte título "O invencível prazer do ceticismo" ou então "A grande arte da desilusão sem melancolia". É o teu estilo, a tua cara, mais de 40 textos depois de lidos. Acompanho-te há três meses. Parece que quando a palavra deixa de ser a tua personagem, o resto vira... papo furado!


Júlio de Lucca

Anônimo disse...

Bentancur:

tá bem, tá certo, não se discute. Não queres, fica sem querer. Mas que às vezes vale a pena apostar, vale. Acho que a grande marca dos bons escritores é a contradição. Aqui, segundo percebo, não tens medo em te revelares bastante contraditório, se compararmos esse texto com outros, cheios de descoberta, fazendo até do simples cenário uma presença forte e uma riqueza. O importante é a matéria de reflexão que nos propicia.

Luana Vargas, Joinville, SC.

Anônimo disse...

Paulo,

escreves textos cheios de informações que até chamo de aula: já estou viciando!
Este, por exemplo, concordo com praticamente tudo. Deculpem outros leitores, mas me parece hipocrisia não reconhecer que este mundo está ficando mesmo uma "merda". E o Bentancur não deveria falar nele? Deveria sim. É melhor pensarmos,em que parte nos encaixamos.
Penso que o verdadeiro escritor vai da poesia até a mais cruel das realidades, sem deixar de ser ele mesmo. NORMAL!

Paulo, deixarei aqui meu comentário sobre o novo "Texto do mês", o conto de agosto.

(Ah, não sei se cabe, mas, reparem onde e em que condições vão acontecer as Olimpíadas-Liberdade ZERO. Vi algumas reportagens... Nossa. Bom, é a CHINA!) Vida! Mundo! Este texto, "Sem chance", me fez lembrar isso também.

Beijo

Joana Giacomazzi

Anônimo disse...

Caro Júlio, discordo totalmente. O autor deste site não precisa da minha intervenção, isso me parece bem óbvio, mas EU preciso. Tenho idéias e me faz bem expô-las. Como assim... "papo furado"? Tenho acompanhado aqui não apenas questões ligados ao Brasil, país-blema em questão de livro e leitura (e isso é assunto muito sério), mas também textos sobre futebol (chegaste a visitar os posts sobre o mais recente Grenal?), música (a visita do uruguaio Jorge Drexler a Porto Alegre, atualmente um dos nomes da música pop mundial), memórias (sempre elucidativas de como surgiu a carreira do escritor e variantes como vocação, dedicação, exercício constante etc.), fobias, relacionamentos e, destaco para ti, um dos mais recentes textos, o sobre as prostitutas. Parece que assunto não falta. O que falta é papo furado.

Marco Aurélio Leiria, Porto Alegre. RS.

Anônimo disse...

Paulo, creio que me expressei mal. Seria fácil eu dizer que fui mal-interpretado, mas não. é melhor eu assumir a falta de jeito. Eu quis dizer o seguinte: tu tens dado repetidas demonstrações do quanto tens intimidade com a palavra escrita. Ponto. Isso nem se discute. Mas neste texto aqui, a impaciência com tudo e, assim, com todos (e me sinto incluído entre eles), leva o leitor, eu ao menos, a se sentir mais levando um esporros do que, propriamente, sendo interpretado. Te vejo, escritor dos bons que és, como uma espécie de terapeuta. Não funciona mais analisares com certa "frieza" os horrores da vida contemporânea?

Júlio de Lucca

Anônimo disse...

Júlio,

agradeço, e muito tua contribuição. Não é só de aplausos e de concordâncias que vive quem escreve. E discordâncias, críticas etc. são sempre bem-vindas, desde que, claro, embasadas em bons argumentos. Eu, quando escrevo, tento (nem sempre consigo, reconheço) mostrar porque digo o que digo. Não vale simplesmente afirmar o que a gente sente e deixar por isso mesmo. De alguma forma, temos que provar aos que nos lêem o que motiva nossas sensações. Porém, num blog, o gênero mesmo do espaço permite que de vez em quando o blogueiro faça, digamos, "anotações". No "Sem chance" eu quis anotar, quase que realizar uma listagem do que estava me torrando a paciência. Direito pleno, não te parece? E nesses casos é inevitável que alguém sempre se sinta agredido. Não deixa de ser saudável, rsrsrsrs. Leva a pessoa a reagir, à consciência, como tu em tua resposta, agora mesmo. Agora, meu amigo, acho que pedes demais quando esperas de alguém uma "certa 'frieza' com os horrores da vida contemporânea". Seria preciso sangue de barata. E, felizmente, não sou o Gregor Samsa. Mas valeu o debate. E nunca deixe de discordar, se for o caso. É exatamente desse debate que pode surgir o sangue novo capaz de nos salvar da mesmice e da acomodação, que resultam no quadro que busquei descrever em "Sem chance". Abração.

Anônimo disse...

Parece que até um escritor tem seu dia de "Duro de Matar". Isto quer dizer: qualquer um de nós, não é, Sr. Paulo? Ou esta é uma visão sua geral e permanente sobre a vida?


Lúcio Rômulo Baptista – Nova Friburgo, RJ

Anônimo disse...

Paulo!!

Adoro te ler e como disse outro comentário, já estou viciando. O "SEM CHANCE" me parece um desabafo que me serviria também...Também li hoje tuas poesias. Lindas e, às vezes, duras, como as de um outro Paulo que conheço muito bem.
Desculpe se não atendi o telefone, estava trabalhando, como sempre!

Rose