domingo, 28 de junho de 2009

UM POEMA PARA SEMPRE (e um aniversário)

Tenho cruzado muito eventualmente com Paulo Seben, saio pouco de casa, não sei dos passos do meu xará, mas sou mesmo um bicho-do-mato, não bastasse o Seben ser gremista e eu, colorado. Mas vamos ao que interessa.

Seben está de aniversário hoje, faz 49 anos, um guri! Bem, ainda não é a pauta, que bichos-do-mato não freqüentam festas de aniversários, sobretudo as de 49. Ainda se fossem as de 25, 30 anos, podia rolar alguma coisa...

Professor de literatura na UFRGS e – atenção! – poeta. Sim, o Seben, que 90% da gurizada conhece, é um professor daqueles, fodões, exigente, mas aplicado e generoso na clareza com que expõe os conteúdos do programa que herdou e que, inteligente, renova. Mas e o poeta?

Aliás, bota poeta nisso. Qualquer dúvida, busquem ler e reler seu livro Tango da Independência (Unidade Editorial da SMC-POA, 1995). Há outros, poucos, que o poeta e ensaísta Seben, também fodão, e, assim, criterioso ao máximo, publicou. Pouco (e bem). Hayde e o Homem-Tronco (fevereiro de 1988, disponível desde 2004 no site www.lojadosubsolo.com), Poemas podres (parcialmente escrito na década de 1980), O Uraguai, de Basílio da Gama (Ed. Feevale, 2001, e reescrito e reeditado agora para a Leitura XXI), Caderno Globo 33 (Instituto Estadual do Livro, 2002), A Escrava Isaura (adaptação para neoleitores, L&PM, 2003), além de ter participado de algumas antologias legitimamente antológicas e não meras coletâneas.

Bem, a melhor forma de comemorar o aniversário de um homem, se ele é um poeta, é mostrando o poeta que ele é. E há um poema de Paulo Seben que resume o que é a trajetória de quase todos nós, homens, e dos poetas incluídos, “Caminho”. Leiam esse poema, façam-me o favor. Eis toda a odisséia possível, a do precário, flagrada num instante de travessia de um ser com o qual é impossível não nos indentificar. Além do que, falando em poesia, identificações à parte, o poema, por si só, vale mais que isso. É um mundo novo, instaurado. No caso da obra-prima de Seben, sem favor algum um dos dez melhores poemas já produzidos ao extremo sul do País, um novo mundo na medida que nos restaura o mundo de sempre, perdido no cotidiano sem voz para expressá-lo. E que Seben expressa como raros.


CAMINHO


Paulo Seben



Um homem de mãos nos bolsos
cruzando a praça vazia.
Talvez em meio à garoa
ou restos de cerração.
O fato é que está sozinho
e tem nos bolsos vazios
as duas mãos impotentes.
O fato é que está vazio,
e as suas mãos tão sozinhas
cerradas nos bolsos vão
sem poder nem ir à toa.
Caminha rumo ao patíbulo.

As mãos seguram a vida
que tenta fugir dali.
Os dentes cerrados cortam
a língua que quer sair.
Os lábios cerrados calam
a voz que iria gritar.
Caminha rumo ao patíbulo
no frio da antemanhã.

Se houvesse sol, se ele abrisse
os braços pra perguntar
por que caminha sozinho,
por que um bolso é algema,
por que há neblina sempre
e praças que atravessar...

O sol não há. Não há gente
a quem fizesse a pergunta.
Caminha trôpego e chuta
pedrinhas em gol nenhum.
Caminha rumo ao patíbulo
e não deseja chegar.



do Caderno Globo 33 (IEL – Instituto Estadual do Livro, 2002)


Acho que chega. Não tenho mais nada a escrever. Só a ler. E a reler. Como vocês. O aniversariante de hoje merece. (28/06/2009).