Quem não gosta de descobrir? Quem pode descobrir se não vê? Quem pode ver se não escuta? Quem pode escutar se não fala? Quem pode falar se não lê?
Na leitura está o caminho de uma série de mistérios. Continuamos aqui uma série sobre os mistérios da escrita criativa, da criação literária. Criação que nos ajuda a criarmo-nos enquanto seres cheios de mistérios.
IX
A arte é uma das tantas respostas para a dúvida. E não só para a dúvida. Mas todo artista é, antes de tudo, ou simultaneamente, um filósofo. O que é um filósofo?
Uma brevíssima história do espírito
Entre as milhares de formas de vida animal no planeta, o homem é a única com inteligência capaz de prodígios. Um desses prodígios é pensar o universo à sua volta. O homem é o único animal que pensa.
Os demais animais aceitam o mundo como ele é, sem procurar alterar nada. A sua atividade, mesmo intelectual (a formiga, a abelha ou o castor são hábeis artesões, engenheiros e matemáticos) é essencialmente prática. O homem não restringe seu raciocínio somente à função utilitária deste. Vai além: constrói mentalmente obras cujo destino é apenas mental, ou seja, com utilidade teórica e não, prática.
Se o reino da matéria é o único reino que as demais formas vivas reconhecem, o do espírito oferece uma porta que só o homem pode abrir.
Há homens que, infelizmente, raramente abrem essa porta. Por medo. Por insegurança. Por hipocrisia. Por ignorância. Por falta de liberdade. Por pobreza.
Outros a abrem, mas só um pouquinho, deixando ver através da fresta uma pálida noção do espetáculo que há lá dentro.
A inteligência humana não tem limites, e abrir a porta do espírito é apostar tudo na extraordinária força de nossa mente.
Essa aposta, como toda aposta, incorre em riscos, em erros, mas provavelmente acabará encontrando o maior dos tesouros: a verdade.
Pensar é uma aventura inenarrável. Pensar é viver em dobro. Pensar é provar por que somos superiores ao gato, ao cachorro, ao cavalo.
Pensar é descobrir.
Pensar é ver além dos olhos. Pensar é escutar além dos ouvidos. Pensar é falar além da boca. Pensar é multiplicar.
Pensar é enriquecer.
Pensar é ganhar confiança. Pensar é amadurecer. Pensar é conquistar.
Pensar é viver, viver mesmo.
Um homem que não pensa de fato não é um homem por inteiro, é um homem pela metade. E de um homem pela metade não se pode dizer que viva.
O pensamento conduz às respostas que precisamos para entender tudo o que acontece.
O pensamento também conduz a novas perguntas, que com mais pensamento nos levarão a novas respostas.
Quanto mais perguntas, melhores respostas. Isso porque se as dúvidas se multiplicaram, satisfazê-las exigiu mais e melhores argumentos.
É uma ilusão pensar-se que a criança é um eterno inocente.
Com três, quatro aninhos de idade é comum fazerem indagações, cobrando-nos a toda hora uma resposta satisfatória acerca da origem das coisas, do porquê de tudo ser como é.
Ou seja: já nascemos filósofos.
A curiosidade é inerente ao homem. O ser humano é o único animal da face da Terra que se faz perguntas.
Que se admira. Que se espanta.
Que não consegue dormir com uma dúvida martelando em sua cabeça.
Mas a atividade do espírito não é privilégio dos filósofos. É do homem em geral, embora nem todos os homens possam ser chamados de pensadores.
A origem da palavra filosofia vem do grego, e quer dizer “amor à sabedoria”.
Mas amor à sabedoria têm também os cientistas e os inventores, que buscam através do raciocínio lógico não uma construção puramente mental, como os filósofos, mas de aplicação imediatamente prática. Se os filósofos vivem à procura de propor questões e respondê-las, os cientistas e inventores vivem à procura de soluções concretas para problemas concretos.
E os artistas, eles não têm amor à sabedoria?
Evidente que sim.
Os escritores, os músicos e os pintores vêm a sabedoria por outro ângulo, não exatamente o da verdade, mas o da beleza.
Para eles a verdade não é nada sem a beleza.
É na apaixonada satisfação do gosto através da criação estética que eles atingem o ponto mais alto de suas vidas: a conquista do belo.
O belo é um conceito complicado, difícil de se traduzir, e para chegar a ele é necessário muita transpiração e muita inspiração.
A obra de arte anseia tocar a perfeição, como um amante quer tocar o ser amado. Mas o artista teme fazer o papel exatamente de um amante, apaixonado por algo que só ele reconhece como belo.
O amante tem todas as desculpas do mundo. Sobretudo porque seu objeto desejado tem um só propósito: satisfazê-lo e fazer-lhe companhia.
Já o artista, ao contrário, quer compartilhar com o mundo sua experiência de maravilhamento, e para isso deve fazer com que o mundo também se apaixone.
Assim, filósofos, cientistas, inventores, artistas – todos fazem do pensamento o que um atleta faz do corpo: seu instrumento incansável.
A um corpo – já que falamos em atleta numa época em que o culto ao corpo está muito popularizado – é fundamental cultivar, isto é, malhar, alimentar, cuidar. Por que com um cérebro seria diferente?
Uma mente que não se exija o máximo é uma espécie de corpo indolente, sedentário. Um cérebro que não se exercite, não faz com que as ligações entre os bilhões de neurônios se desdobrem em novos milhões de ligações, nunca chegando a conclusões – e dúvidas – novas, originais, fortes.
Somos uma máquina, sem nenhuma dúvida, e uma máquina precisa de reparos e de manutenção.
Parada, ela estraga.
Em movimento, pode então mostrar toda sua serventia e poder.
Nossa cabeça necessita, exige combustível. Trocando em miúdos, informação. Com mais dados informados, melhor ela processa os que possui. Seu percurso vai além, acelera e cresce em fôlego, em alcance. Chega a lugares – a idéias – que nem sonhou antes, quando ignorava o que agora sabe. (09/08/2008)
Mas amor à sabedoria têm também os cientistas e os inventores, que buscam através do raciocínio lógico não uma construção puramente mental, como os filósofos, mas de aplicação imediatamente prática. Se os filósofos vivem à procura de propor questões e respondê-las, os cientistas e inventores vivem à procura de soluções concretas para problemas concretos.
E os artistas, eles não têm amor à sabedoria?
Evidente que sim.
Os escritores, os músicos e os pintores vêm a sabedoria por outro ângulo, não exatamente o da verdade, mas o da beleza.
Para eles a verdade não é nada sem a beleza.
É na apaixonada satisfação do gosto através da criação estética que eles atingem o ponto mais alto de suas vidas: a conquista do belo.
O belo é um conceito complicado, difícil de se traduzir, e para chegar a ele é necessário muita transpiração e muita inspiração.
A obra de arte anseia tocar a perfeição, como um amante quer tocar o ser amado. Mas o artista teme fazer o papel exatamente de um amante, apaixonado por algo que só ele reconhece como belo.
O amante tem todas as desculpas do mundo. Sobretudo porque seu objeto desejado tem um só propósito: satisfazê-lo e fazer-lhe companhia.
Já o artista, ao contrário, quer compartilhar com o mundo sua experiência de maravilhamento, e para isso deve fazer com que o mundo também se apaixone.
Assim, filósofos, cientistas, inventores, artistas – todos fazem do pensamento o que um atleta faz do corpo: seu instrumento incansável.
A um corpo – já que falamos em atleta numa época em que o culto ao corpo está muito popularizado – é fundamental cultivar, isto é, malhar, alimentar, cuidar. Por que com um cérebro seria diferente?
Uma mente que não se exija o máximo é uma espécie de corpo indolente, sedentário. Um cérebro que não se exercite, não faz com que as ligações entre os bilhões de neurônios se desdobrem em novos milhões de ligações, nunca chegando a conclusões – e dúvidas – novas, originais, fortes.
Somos uma máquina, sem nenhuma dúvida, e uma máquina precisa de reparos e de manutenção.
Parada, ela estraga.
Em movimento, pode então mostrar toda sua serventia e poder.
Nossa cabeça necessita, exige combustível. Trocando em miúdos, informação. Com mais dados informados, melhor ela processa os que possui. Seu percurso vai além, acelera e cresce em fôlego, em alcance. Chega a lugares – a idéias – que nem sonhou antes, quando ignorava o que agora sabe. (09/08/2008)
5 comentários:
Este capítulo da série “Mistérios” prova o que muita gente boa já andou dizendo: que escrever (ato de criação na aparência movido pela inspiração) é na verdade uma atitude filosófica diante da vida e, sim, sim, da arte. Sem se assumir uma reflexão filosófica não se está pronto para ir além, que é criar outro mundo dentro do mundo no qual vivemos e sobre o qual não refletimos. Brilhante, seu Paulo.
Túlio de Castro Lemos. Santana do Livramento, RS.
Paulo:
Lembrei-me de Sartre, de “A náusea”, onde filosofia e literatura andam de mãos dadas. Você leu? Seu trabalho recupera instantes altos da arte de nosso tempo. Embora, pensando bem, o tempo seja outro. Afinal, trata-se do século passado (risos), o XX!
Diego da Cunha - Curitiba.
Diego,
nem imaginas o quanto "A náusea" me influenciou! Há trechos que lembro de cor, como aquele: "fumo. Não pensar. Não quero pensar. Penso que não quero pensar. Então isto não mais acaba?" Sartre foi o herói de nosso tempo, nos anos 1960-70, junto com Pelé e Garrincha, rsrsrs.
SR. Paulo. Li os textos da série "Mistérios da criação literária" e achei, sem dúvida, algo fora de série. É de uma inovação tremenda na didática. Acho que devia continuar.
Abração!!
Jeff Negromonte, Porto Seguro, Bahia.
Fiel e amigo Jeff;
continuarei a série, pode levar fé. Obrigado pela parceria em acompanhar os textos e opiniar.
Super abraço e vá em frente com sua literatura.
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