sábado, 9 de agosto de 2008

MISTÉRIOS DA CRIAÇÃO LITERÁRIA 1


Quem não gosta de descobrir? Quem pode descobrir se não vê? Quem pode ver se não escuta? Quem pode escutar se não fala? Quem pode falar se não lê?
Na leitura está o caminho de uma série de mistérios. Começamos aqui uma série sobre os mistérios da escrita criativa, da criação literária. Criação que nos ajuda a criarmo-nos enquanto seres cheios de mistérios.

I

Quem é o escritor? O que faz com que ele escreva? Fomos buscar na literatura portuguesa algumas vozes que dessem conta dessa resposta difícil, quase sempre paradoxal.

“Eis tudo – obstinação. Ela nos une e nos diferencia, e nos prende por laços invisíveis. Não conheço outra forma de encontrar termos para nos definir. (...) Crença humilde porque regressa ao princípio, e produzindo uma teia sem pensamento como a aranha, no entanto tem a ambição parente das coisas criadas por Deus, porque se radica na intuição de que a palavra, mesmo caótica, quando pronunciada em voz alta, adia indefinidamente o fim.” – Lídia Jorge.

“Só enquanto escrevo é que geralmente vou sabendo o que de fato desejava escrever. Daí decorre um acentuado gosto (...) pela aventura, tanto das palavras como dos seres. O que mais me importa é partilhar com os outros o conhecimento (que também julgo ter certa invisibilidade) do real. Ou, pelo menos, a ilusão desse conhecimento.” – David Mourão-Ferreira.

“Para o escritor tudo é diverso. Porque o imaginário não está só nele e nos livros que escreve – e sim também em quantos os lêem e vivem. Além disso, nenhum escritor consegue revelar duas vezes o segredo das coisas que materialmente não existem. Por isso mesmo não saberei descrever a essencialidade, o espírito, o sentido do irrepetível, a voz extinta das personagens e dos livros que comigo navegaram o tempo e depois se extinguiram na vida e no mundo dos meus leitores. De tudo o que escrevi, sobram-me suspeitas, noções elementares, grandes desejos astutos, murmúrios que estão para o tempo como o ato de ter escrito pode estar para o destino eterno da literatura.” – João de Melo.

“A arte é um absoluto porque fala não à nossa razão mas à emotividade que não discute. Ela opera-se e determina-se como a verdade, a qual assenta não em operações racionais – como nunca assentou – mas no que chamei um dia o nosso ‘equilíbrio interno’ onde se decide quase tudo o que à vida importa. As razões são a sobra do que nesse equilíbrio se decide, para um protocolo da nossa sobrevivência.” – Vergílio Ferreira.

“Aquele que me habita e escreve, vive uma espécie de treva. Quase nada sabe da sua própria escrita. Menos ainda falar dela.” – Al Berto (o nome é esse mesmo, moçada).

“O melhor dum escritor é ser razoável no entendimento, comum no convívio, justo no aconselhar, benigno no julgar e sempre alerta perante as glórias. (...) Também não é bom ser austero demais, nem culto, que pareça solidão fingida. (...) Arregaço as mangas, não para escrever um livro, mas para me acotovelar com a multidão.” – Augustina Bessa-Luís.
(09/08/2008)

2 comentários:

Anônimo disse...

Mestre Paulo

Sem dúvida esses mistérios da criação literária 1 evoca pensamentos sublimes sobre a arte de escrever, e faço-me crer que a opnião mais surpreendente fora a de Lídia Jorge, afinal a obstinação é o que adia infinitamente o fim.

Parabéns pela iniciativa de compor essa oficina.

abração

Jeff Negromonte

Anônimo disse...

"Adia indefinidamente o fim" é o que diz Lídia Jorge, escritora portuguesa, sobre o ato de escrever. Grande definição. E tu tens nos brindado com outras memoráveis definições, Paulo. Bom momento essa seleção de meia dúzia de depoimentos fortes e reveladores.

Aldo Couto Mello – Caçapava do Sul, RS.