segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A REPÚBLICA DE OMBROS LARGOS

Você conhece Arístocles, famoso atleta? Não? Então o apelido dele – que significa “ombros largos” – lhe deve ser bem familiar: Platão (428-348 a.C.). Pois é do autor dos Diálogos (26 capítulos, suma de sua obra) que se fala aqui, no caso de um dos mais célebres deles, A República.

O livro, dividido em dez partes, é uma pequena utopia, escrita entre 384 e 377 a. C. Na construção de um sistema ideal, Platão traça um paralelo político-moral. Para a classe à qual ele destina o poder supremo (magistrados e filósofos), a razão é a palavra-chave; para os que garantirão a segurança dessa república (os guerreiros), a coragem é a marca moral; para aqueles cujas atividades envolvem a produção e o comércio (artesãos, homens de negócios) são destinados os instintos básicos: a sensualidade, os apetites.

Essa utopia é severa. Sisuda, bem-comportada e exige que a educação encaminhe-nos para a bravura antes de tudo. Cuidado com os poetas, como Homero e Hesíodo. Poesia e música devem ser fiscalizadas. É um regime pesado, que oprime os ombros dos cidadãos que acaso sonharem com alguma liberdade (a utopia platônica é no mínimo polêmica, abolindo propriedade, casamento, os filhos sendo afastados das mães e educados pela comunidade; o Estado é o pai e todos os cidadãos formam uma única família).

No quesito educação, o que seria ensinado aos jovens, até os vinte anos, são a agilidade e o brio de um soldado e, por exemplo, em música, marchas militares estimulando a emoção patriótica.

Há contradições nessa utopia. Se os poetas dela foram banidos, Platão escreve como um poeta, e sua filosofia constrói antes por imagens do que por argumentos (sem falar da forma adotada, o diálogo, deliciosamente eficaz num gênero em regra sem sabor). Um dos momentos altos de A República é o livro VII, "A alegoria da caverna", onde prisioneiros numa gruta ignoram o mundo lá fora, confundindo as sombras projetadas no fundo com fatos e coisas reais.

Mas o tema central da obra é a justiça, como chegar a ela, sem a qual todo julgamento é falho e toda realidade fica sob suspeição. (30/08/2008)

4 comentários:

Anônimo disse...

Bem, isto, quer dizer... Como debater com quem acaba de acabar com Platão?! Bentancur, você é de fato corajoso, caro blogueiro. Não é por acaso que os temas da filosofia vão e vêm no seu blog. Você entende do riscado. E se arrisca. E, com você, ficamos na corda bamba, quase sem referência, já que você as rouba de nós. Embora nós dê outras. A começar, você mesmo.

Impressionante...

Glênio Farias (Taubaté, SP)

Anônimo disse...

Prezado Bentancur: você sabe, Platão não é só isto. Há outros aspectos, e mais interessantes. A forma como ele descreve a vida do espírito é notável, insuperada até hoje. Pelo menos no plano literário, senão no filosófico. Mas seu alerta fica. Merece reflexão.

Beijo.

Sílvia Ramirez, Curitiba, PR.

Anônimo disse...

E, justiça seja feita, né, Pauloooo, sem o Platão não existiria o Sócrates...

Ítalo C. Bianchini (Erechim, RS)

Anônimo disse...

Paulo, Platão é imaginação e realidade. E a forma como ele transpassa a imaginação pela realidade expõe a forma de sua genialidade.

abração.

Jeff Negromonte