segunda-feira, 16 de junho de 2008

A UTILIDADE ÓBVIA DO COMPUTADOR

Blog é o seguinte: todo dia. Duas vezes por semana, como está sendo, às quartas-feiras e sábados, não dá. Fica como jogo de futebol, que a gente aceita porque, afinal, os caras têm de treinar, descansar, bolar a tática. Tudo isso o escritor, jornalista, blogueiro tem de fazer também. Mas como é um só, e não um grupo – e sem treinador! –, a torcida não espera. Quer novidade a toda manhã. Ou prosa. Quem não gosta de uma boa prosa? A prosa – aqui no extremo sul, vocábulo que substitui o sempre bem-vindo diálogo – aquece o frio de maio, junho, julho e agosto. E aplaca o inferno do calor dos outros meses.
Mas nem todo autor, nem todo responsável por um site com blog e ainda mais outras mumunhas chamadas seções, links (no meu tem 15!) consegue tempo para deixar tudo azeitadinho e renovado todo santo dia. Há dias de que o Diabo gosta, e nesses o escriba nem chega a sentar frente ao computador. Se sentasse, seria para arrumar algum software que pirou, algum arquivo que atravessou a fronteira rumo ao oculto, alguma possibilidade de conexão com a rede mundial de computadores que não quer saber de dar as caras. E, sem conexão, não há blog, site, links que possam ser atualizados.
Já passei por dias assim. E, desamparado, escrevi igual. Entretanto, foi estranho. Era como se eu estivesse falando sozinho, atuando num palco frente a uma platéia vazia. Estranho mesmo. Quem disse que quando tudo está nos conformes eu vejo, noutra dimensão, quem pode, a qualquer instante, acessar o meu site? Mas a verdade, fenômeno inexplicável, é que sabendo que há acesso (como uma porta que se deixou aberta e então existe, sim, a chance de uma invasão, uma visita, uma surpresa, e, mesmo, a confirmação de que a indiferença – aí sim – é legítima, comprovando-se no contador que não muda o número de acessos a cada vez que visitamos o próprio site), sabendo que o universo digital está em movimento “na nossa máquina”, é exatamente como se tomássemos consciência de que células novas alimentassem nosso corpo e ele, em razão desse fenômeno, pudesse produzir muito mais do que produziria se fosse confinado aos pré-históricos tempos da máquina de escrever, nos quais se escrevia (com fita metade preta, metade vermelha, e com corretivo líquido para pincelar de branco sobre a letra errada na folha de papel, úmida e com os relevos do corretivo – errorex, maxprint –, ou com os sulcos do choque violento das teclas a cada letra impulsionada pela ponta dos dedos).
Aliás, alguém aí já estudou o fenômeno da mudança radical de estilo e de produção (quantitativa) depois do advento dos editores de texto? Eu sou um que posso dar um testemunho de quem experimentou a maior evolução na história da arte depois (nem sei se depois; talvez junto) da invenção da perspectiva na pintura. Passei a escrever cinco vezes mais. A errar dez vezes menos. A corrigir (embora errasse menos porque o teclado diante do monitor é mais macio e nos dá mais segurança que o teclado diante dos nossos próprios olhos e mais nada), a corrigir, repito, dez vezes menos.
E dois detalhes importantes. O primeiro. Antes, a produção de um texto envolvia no mínimo duas pessoas: o escritor e uma datilógrafa, que passava a limpo a bagunça de seus originais. Hoje, o conforto dos inúmeros recursos que um editor de texto oferece fazem com que não exista bagunça. Pronto: um mal social, datilógrafas desempregadas e uma categoria de mão-de-obra especializada a menos. Ah, sim, ainda existem digitadoras, mas não para escritores e sim para grandes conglomerados, instituições.
O segundo detalhe importante: o espaço físico. Para guardar em casa dez originais, era preciso um bom espaço na estante. Hoje o espaço físico em disco rígido armazena no computador uma biblioteca inteira. Ou duas? E cada uma com 5.000 volumes, por aí. O cara pode ser o Simenon, escrever 300 livros e deixá-los todos na gaveta, isto é, num diretório. Ninguém vai notar (bem, essa parte não é tão gloriosa assim).
Conclusão: o estilo mudou. Não há como escrever da mesma maneira como se escrevia no tempo do manuscrito, à caneta, ou, mais tarde, à máquina de escrever. O desempenho do computador, espantoso se pensarmos no trabalho braçal que o escritor tinha para redigir seu livro há quinze anos, propiciou uma guinada violenta na forma como hoje escrevemos. Os poetas são os que menos sentiram o solavanco. Os cronistas, também, embora a número deles tenha quintuplicado. Mas os ficcionistas, sobretudo os de narrativa longa, cansados de usar tesoura e cola, e de, por causa de uma pequena alteração no começo de um romance já com duzentas páginas, verem-se obrigados a trabalhar duramente para atualizar a história toda até o fim apenas por causa da mudança de um nome, de uma idade, estes sabem que o computador eliminou todo e qualquer esforço e os deixou livres para pensar mais longe: poderem dedicar-se ao que mais interessa, as mudanças mais drásticas, as nuances, os ritmos, a voz geral da linguagem que desejam cada vez mais criativa ou convincente, e a reconstrução da estrutura ficcional, que querem, sim, sempre inusitada nem que para isso seja indispensável recomeçar o livro todo desde o começo. Tal mudança não representará um acúmulo demasiado de trabalho.
O autor está livre, enfim, para ter uma idéia original, nova, que oxigene sua obra já quase no término desta, mesmo que a idéia precise manifestar-se, digamos, a partir da página sete. As dificuldades materiais mataram muita obra-prima. Isso, por dignidade, nunca serviu de argumento aos prejudicados, que simplesmente se sentiram sem talento suficiente. Até pode ser. Mas que o computador os ajudaria a ir mais longe, ah, ajudaria. Não fosse ele, e este post estaria no terceiro parágrafo. Talvez daí nem passasse.
Sem contar que só seria lido pela família. E olhe lá. (17/06/2008)

4 comentários:

Anônimo disse...

O computador é algo que mudou todo conceito de esforço. Claramente so´penso no dia em que ele evoluirá para um tipo especifico de inteligência artificial e assim possa nos ajudar a pensar numa obra-prima em ficção. Rsss
Parabens pelos ótimos textos que auxiliam as nossas conecções nervosas, Paulo.

Ass. Jeff Negromonte

Clecia disse...

Texto muito bom. Ainda me lembro das máquinas de escrever e do trabalho que elas davam. rs Eu nunca me dei bem com elas. Sempre que errava tinha de jogar o papel fora e começar tudo de novo. rs UM abraço!

Anônimo disse...

Que tempos aqueles, hein? Ainda lembro da briga para arrumar parágrafos, do desespero de algum erro ou salto, ou mesmo de uma nova idéia a ser acrescentada a um texto... caramba! rsrs Mas costumo pensar o computador mais pelo lado de leitor. Até digo que temos o privilégio de poder acessar a maior biblioteca da história da humanidade, a internet. E, junto com isso, a constatação: que diferença faz saber ao menos ler em outra(s) língua(s)! E assim vamos, acessando a história e fazendo história(s), seja(m) ficcional(is) ou não. Um grande abraço e sucesso sempre!

Anônimo disse...

me sinto meio valdomiro nesse gol do paulo 'escurinho' bentancur aí...

haha

abraço, j ritter