Como o cocheiro no conto de Tchecov, que, não tendo a quem contar as mágoas, confessa-se e a seus fracassos ao pobre cavalo que conduz e de quem cuida, busco a ti cujos olhos estarão fechados a esta hora, dormindo. Ou abertos, vendo um filme atrás do outro, algum debate na tevê, até mesmo algum comercial.
Busco teus ouvidos, escutando as histórias de parentes, filhos, amigos, vizinhos. Escutando os ruídos indistintos do apartamento ao lado. Escutando a rua e seus sons tão óbvios quanto indistintos.
Busco teu olhar, a ver (não por enxergar), mas ver de um jeito que não sei olhar nada, a ótica do enigma que numa simples vislumbrada desvendas como quem retira a toalha da mesa da cozinha.
E, pior, nem busco. Penso nessa audição, não para mim agora. Penso nesse olhar, não para mim agora. Penso, agora, em tua boca, ressonando, plácida, que um beijo não esperaria para despertá-la, ou em sua voz, abrindo espaço entre o morno hálito que sai junto e diz, quase numa canção: “tu, hem!”
E eu nada.
Eu aqui. Eu aonde? Eu aqui aonde. Eu lá aqui mais pra lá ainda do que poderia estar, sem me alcançar. Sem me alcançares. Sem me veres. Sem me escutares. Sem me falares.
Eu não eu quase eu se pudesse me olhar sem desgosto, se pudesse me escutar sem achar que digo sempre as mesmas coisas, se pudesse – dormir. Dormir mesmo. De preferência sem os malditos sonhos.
E acordar pelo menos sozinho. Sem ti mas sozinho. Sozinho mas recuperado para mim mesmo e, desta forma, mais próximo de ti.
Pronto a, aproveitando-me da solidão mais plena, voar até aonde estás, mesmo se acompanhada, e tomar baldes de sereno como faria um adolescente de filmes ou um adolescente real de porre. Até que o primeiro sol e tu saindo de casa o encontrariam próximo ao portão da garagem. Para ser recolhido como um animal entre arisco, entre ameaçador.
Eu morderia. Sim, eu morderia. Mas só a mim. Para provar, no adocicado gosto da saliva ferida, que meu sangue ainda não secou. (30/06/2008)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Lindo texto pra apagar qualquer gre NAL.
Abraço
Doce bárbaro!
Cida Sepulveda
Uau!
"Tomar baldes de sereno"... Eu fechei os olhos e imaginei as cenas. Gosto quando escreves com as vísceras para fora...
E gosto de textos em que homens agonizam por amores não correspondidos. Já sei, já sei... Freud explica...
Um beijo da Lou Salomé
Paulo,
ausência tão presente... Agora,aqui no teu texto,
sinto que há ausência que pode se desfazer no portão da garagem,num telefonema,num minuto,no real,no virtual.
Mil ausências.Uma presença.A mais forte, a mais importante e lá se vai ausência, solidão, amargura.
Muito bom ler um texto para pensar sobre...
Mais uma vez"brilhante".
Um abraço.
Joana Giacomazzi.
Postar um comentário