1967. Um menino de dez anos, vindo do interior do Rio Grande do Sul, a 500 quilômetros de distância, às cinco horas da manhã, sob um sol tímido e sua luz enganadora, avista a ponte móvel Getúlio Vargas, que sobrevoa compacta as águas a anunciarem, na outra margem, Porto Alegre. O menino vem de Santana do Livramento. Passou, entre outras cidades, por Rosário do Sul, São Gabriel, pela entrada de Cachoeira do Sul, por Pantano Grande, por Guaíba e, enfim, a visão da ponte, e com ela, edifícios que se acotovelam no horizonte já próximo para recebê-lo.
Livramento é uma cidade fronteiriça de, então, 30 mil habitantes. Sete horas de viagem (numa kombi) por estrada asfaltada e esse menino se depara, quase súbito, com uma metrópole: mais de 400 mil pessoas. E é isso, esse fenômeno, bem rápido, o que ele descobre.
Que uma metrópole é mais do que muitos prédios a mais, algo além de uma quantidade enorme de avenidas largas, um lugar que sinaliza não apenas com praças e monumentos inimagináveis para esse menino de biografia modesta nascido num lugar modesto, mas, isto sim, um cenário capaz de abrigar a vertigem do movimento brotado de tanto trânsito de construções, pessoas, trânsito mesmo, cenas. Ou seja, a diferença entre o mundo precário de onde essa criança vem e o mundo que agora tanto a maravilha quanto a ameaça é o número assombroso de gente (e o que essa gente construiu). As personagens. Suas vidas. É isso, mais que os milhões de metros quadrados de área construída, que dão à cidade grande a grandeza que a torna um marco na vida desse menino e de tantos outros.
A manhã vai brotando. Dissipa a névoa que rasteja pelas águas do Guaíba. O sol cresce. A manhã corre com os automóveis na direção do trabalho. As paradas de ônibus apinhadas de gente. O menino vai descobrindo Porto Alegre com olhos arregalados, mudo de admiração.
Esse impacto, porém, é previsível. É o natural susto da mudança brusca de alguém que veio de uma cidadezinha para um centro urbano de dimensões colossais.
Gulliver em Brobdingnag, onde todos são gigantes, inclusive flora, fauna e, naturalmente, as mulheres. Por isso, embora inevitável, previsível, o impacto do menino também é colossal. (04/06/2008)
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2 comentários:
"As cidades assim como os sonhos escondem desejos e medos"
Como sempre um otimo texto do Paulo Bentancur reflete a seriedade de uma vida perplexa.
Ass: Jeff Negromonte
massa, velho.
volto à carga mais tarde.
abraço, j ritter
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