quarta-feira, 11 de junho de 2008

A NOBRE ARTE

Meu corpo se ausenta quando amo. Vai não sei aonde ainda que eu conheça o endereço: o teu nome, o lugar onde moras. Meu corpo se apresenta quando amo. Tomado, subitamente, pela presença de meu espírito – em geral ausente, disperso, perdido, sem paraíso para repousar, sem febre para o necessário delírio, sem outro corpo com outro espírito para somar-se e confundir-se e me deixar em paz, enfim, e alegre. Alegre como um menino. Disposto como um rapaz. Sabendo o que faz, como um homem.
Meu corpo se ausenta quando o amor se apresenta, cumprimenta-me, chama-o e ele, em chamas, se vai e me deixa, desolado, na fome do que é saudade, na sede do que é desejo, na vigília do que é a intimidade do reconhecimento. Depois, quando menos espero, meu corpo volta. Toma-me como se eu não pesasse, como se eu lhe pertencesse e fosse corpo dele, simples armação esvaziada para a qual ele agora retorna para preencher com seu miolo de poemas que eu nem saberia ler, que dirá escrever.
Retomo-o e junto dele minha mente a dizer à outra mente, também minha – e agora? Pasmos, eu e eu, nos abraçamos após esse meu corpo de volta, com um sentir que faz o meu viciado pensar um rabisco das minhas verdades humanas quando não há um amor a assaltá-lo. Porém, felizmente (ó, glória excelsa!), assaltado, retorna sem o frágil tesouro de sua defesa feita de tédio, de medo, e, pior, de indiferença. Assaltado, rouba-o, o amor, no que ele tem de mais forte: sua resistência em virar o cristal da água serena onde encontra alívio, espelho, mergulho que o toma inteiro e molda-lhe formas e idéias, enfim limpas da suja solidão.
Teu corpo, sangue feito espírito, fala ao meu espírito feito corpo, sangue feito palavra que te escuta e já não precisa do consolo de escutar a si mesmo porque meu ego, pedra polida, virou areia que o morno vento carrega e deposita sobre as ruas antes evitadas.
Agora, após o advento (amo!), ponho a rua no colo, o bairro no peito, a cidade como o único mapa no qual minhas pernas escrevem o texto mais urgente: a nobre arte de chegar até onde estás, amada. (12/06/2008)

15 comentários:

Anônimo disse...

Paulo,
corpo, espírito,delírio,vigília,intimidade,glória:amor!
Que maravilha nos presentear com um texto assim nesta data.
Amar e ser amado,este é o verdadeiro sentido da vida.
Um abraço,mestre das palavras.
Helena.

Anônimo disse...

Ah! O que vai ter de mocinha suspirando com este texto, e de marmanjos copiando e dando às namoradas como se a autoria fosse deles... rsrs. Parabéns, Paulo! Você é desses "escrevinhadores" que dispensam revisão. Vou indicar o blog para vários amigos. Um abração.

Anônimo disse...

Paulo, o sistema de emoções que resulta o amor é um grande delírio
que, como sempre,em plena sabedoria, você soube descrever, nos apresentando assim toda sua complexidade.

Outra vez um grande texto!

abração
Jeff Negromonte

Anônimo disse...

Paulo,
o Sandro tem rezão.
O texto é pra fazer suspirar e tirar o sono de quem o inspirou!!!
Parabéns, nada menos que perfeitoooooo.
Abração
Joana

Anônimo disse...

Quinta-feira, dia de texto novo.
Hoje "o texto".
Muito bom,Bentancur.
Aguardando o próximo,
André Max.

Anônimo disse...

“O homem frente ao qual elas se cobriram e se revestiram dessa derradeira chama significava mais para seus olhos que, para os olhos de Sardanapalo, a Ásia inteira. Elas foram coquetes para ele como nunca mulher fora para homem algum, como jamais mulher fora para um salão repleto; e essa coqueteria, elas a abraçaram com aquele ciúme que todos escondem em sociedade e que não tinham necessidade de esconder, pois sabiam, todas, que esse homem havia sido de cada uma delas, e a vergonha partilhada não é mais de... Era, de todas, de quem gravasse mais profundamente seu epitáfio em seu coração.
Quanto a ele, tinha naquela noite a volúpia farta, soberana, displicente, degustadora do confessor de freiras e do sultão. Sentado como um rei – como o mestre – no centro da mesa, diante da condessa de Chiffrevas, naquele boudoir flor de pessegueiro ou de... pecado (nunca ninguém soube ao certo a ortografia da cor desse boudoir), o conde de Rávila enlaçava com seus olhos, azul de inferno, que tantas pobres criaturas haviam tomado pelo azul do céu(...)”
Barbey d´Aurevilly, O mais belo amor de Dom Juan, Diaboliques.

Anônimo disse...

Ela não devia ter me olhado nunca,
Se pensava que eu não devia amá-la!

Browning, Cristina.

Anônimo disse...

Sem saber como, unia-se ao Leonardo, firma-se com as mãos sobre os seus ombros para se poder sustentar mais tempo nas pontas dos pés, falava-lhe e comunicava-lhe a sua admiração! O contentamento acabou por familiarizá-la completamente com ele. Quando se atacou a lua, a sua admiração foi tão grande que, querendo firmar-se nos ombros de Leonardo, deu-lhe quase um abraço pelas costas. O Leonardo estremeceu por dentro, e pediu ao céu que a lua fosse eterna; virando o rosto, viu sobre seus ombros aquela cabeça de menina iluminada pelo clarão pálido do misto que ardia, e ficou também por sua vez extasiado; pareceu-lhe o rosto mais lindo que jamais vira, e admirou-se profundamente de que tivesse podido alguma vez rir-se dela e achá-la feia.

Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias.

Anônimo disse...

Primeira comoção de minha juventude, que doce que me foste! Tal devia ser, na criação bíblica, o efeito do primeiro sol a bater de chapa na face de um mundo em flor. Pois foi a mesma coisa, leitor amigo, e se alguma vez contaste dezoito anos, deves lembrar-te que foi assim mesmo.

Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas

LUIZ HORACIO disse...

mestre amigo. Você movimenta o amor e veste de amor o movimento.Essa é vereda iluminada. Só podia vir de você.
Beijo do seu aluno
LH

Anônimo disse...

Que conteúdo, mestre!
Envolvente,forte,
verdadeiro.
Amei este jeito de amar.
Beijo

Lúcia Helena

Clecia disse...

OI, Paulo!Tudo bem? Minha primeira visita aqui e já sinto que vou virar frequentadora assídua. :) Cheguei aqui por indicação do seu amigo Sandro. Gostei muito dos seus textos. Este, então, é maravilhoso. Linda forma de expressar o amor. Um abraço e aproveitando para desejar um ótimo fim de semana!

Anônimo disse...

Paulo,
não estará por aqui
um pouquinho daquele
menino do texto anterior?
Me fez pensar...
Lindo blog. Que nível!
Abraço
Lianka

Anônimo disse...

Paulo, Que belo texto!

Amar é realmente a arte mais "Nobre" que um Ser Humano pode desenvolver...

Transmitir emoção através das palavras é outra arte tão "Nobre" quanto a de amar.
Lindo texto, parabéns!

Grande abraço,
Fátima Meira

Anônimo disse...

Paulo!
A poesia inventa seus temas, suas imagens, suas musas, seus encantos. E nos encanta sempre. Até mesmo o mais rude dos homens, em algum instante de sua vida senbiliza-se com versos de Drummond de Andrade,Florbela Espanca, Cecília Meirelles e com os versos teus meu caro poeta, é óbvio. A poesia tem o poder de abrandar ânimos e nutrir momentos inesquecíveis na vida, no AMOR, sendo: "A MAIS NOBRE ARTE"
Dostoewiski, disse em "Crime e Castigo":
Do que os homens mais têm medo?
Será que é de dizer uma palavra nova?
Ou de entregar-se ao amor, de amar?"
A poetisa Lila Ripoll, nos disse também, em um de seus poemas:
Eu te amo com uma intensidade
que me assusta e me perturba.
Paulo, lembra de Vinícius de Moraes, " Soneto de Fidelidade":
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante meu pensamento.

Abraço Maira B. Engers(Professora de Literatura, poeta)