Este texto é para Hermes Marengo de Ávila, o colorado mais sério que conheci, para Gilberto Buchmann e Jorge Ritter, os mais espirituosos, para Luis Fernando Verissimo, o mais inspirado. E para o espírito de meu pai, e para milhões de pessoas.
Conheci o Inter quando, vindo de Livramento, cheguei em Porto Alegre, em 1967. Eu tinha dez anos, idade em que poucas escolhas definitivas se fazem na vida. Talvez só uma seja possível fazer: a do time do coração da gente. E eu fiz.
Dos grandes clubes da capital, o que atravessava boa fase era o Grêmio. Em 1967 ele era hexacampeão gaúcho e ainda ganharia o campeonato seguinte, sagrando-se hepta, na maior sequência até então já vista por aqui. No imediatismo infantil, eu via colegas meus se agarrando naquela miragem: os títulos do tradicional adversário do Inter que, ao que parece, eu sabia que eram só uma fase. Quando se é criança não existe esse conceito de “fase”. O agora é, sempre, a eternidade. Mas era cedo demais para eu sofrer com o triunfo transitório tricolor.
No fundo, tinha tudo para escolher o rival, a não ser o nome: Grêmio. Eu não entendia esse nome. Eu não gostei desse nome: Grêmio. Eu já me embriagava com as palavras, já vivia a vida também a partir delas. Grêmio parecia coisa de preguiçoso. Afinal, eu raciocinava – na minha maturidade dos dez anos, suficiente para tanto –, um clube é uma agremiação, um grêmio. O Inter é (perdão, clube amado, com quem casei há 41 anos) um grêmio que tem nome, e que nome: In-ter-na-cio-nal. O Grêmio era um grêmio que simplesmente abdicara de ser batizado, como se só isso bastasse, chamar-se pelo gênero, sem identidade. Para mim, animal da palavra – e do futebol – não era suficiente. Mais, era imperdoável.
Quem acompanha futebol sabe tudo o que aconteceu depois. O Internacional respondeu à sequência de títulos regionais do Grêmio com a maior sequência até hoje registrada nos grandes centros de futebol do País: foi octacampeão, de 1969 (eu estava há dois anos esperando para brandir minha primeira resposta) a 1976. Foi o primeiro time gaúcho a ganhar um campeonato nacional. Aliás, a ganhar os três primeiros. O único até hoje, entre os times do Brasil, a ganhar um campeonato inteiro sem perder uma única partida (em 1979). Nos anos 80 e 90 o Grêmio passou por outra fase na qual aprendi a dor dos amantes. Meu Inter, nosso Inter (o time me jogava no mundo, me tornava povo além dessa abstração do conceito, estranhos com a camiseta vermelha falando comigo na rua ao me identificarem colorado), o time de centenas de milhares de pessoas em minha cidade – o Inter me adotou antes que Porto Alegre me adotasse: levei vinte anos para começar a gostar daqui –, de milhões no meu estado, esse Inter amargava a ascensão do rival e – como nesse tipo de pódio só tem lugar para um – crescia à sombra para ver a luz dos fogos de artifício da vitória, nada ilusórios. E a luz veio. E como veio, a partir da entrada do século novo.
Em 2006, com a Libertadores e o Mundial Interclubes. Em 2007 com a Recopa. Em 2008 com a Sulamericana. Em 2009, sem nem fazer pausa para comemorar (afinal, amanhã tem Grenal, não menos que isso!), realizando a melhor campanha em estaduais de todos os grandes clubes brasileiros, invicto ainda já à beira de uma quarta-de-final e com o maior ataque e a maior goleada (vindo, aliás, da maior goleada registrada em finais da era moderna, os 8 x 1 contra o Juventude em 2008). É uma “fase”? Pode ser, mas nem por isso deixará de empurrar a história do clube (com nome!) para uma biografia com passagens eternas. E isso faz o menino em mim dar um sorriso aberto.
E, talvez, a coisa mais séria, mais impressionante, mais reveladora. O Inter foi a ponte entre eu e meu pai, o começo, o selo e a história da nossa amizade. O Inter nos pôs juntos para vibrar e para praguejar. E não lembro de nenhuma outro tipo de situação na vida no qual tão repetidamente ficamos lado a lado: ouvido colado no ar, escutando no rádio os 90 minutos que nos levariam da esperança a todas as soluções. Bastava uma vitória.
Isso o Inter tem me dado mais que quaisquer outras áreas do que chamamos vida e que o futebol tão bem compreende e tão bem responde às suas absurdas exigências. Na transcendência de amar um time e ser correspondido por ele, quem torce sabe que no dia em que seu clube completa cem anos de vida, alguém muito importante da família está fazendo aniversário. Na verdade, a família inteira.
Bem, só os parentes colorados. E eles são muitos, ainda bem.
Hoje é o meu dia, mais que o 20 de agosto, em que nasci. O 20 de agosto foi contingência, o dia de hoje foi escolha. (04/04/2009)
13 comentários:
Paulo,
os blogueiros,teus comentaristas, que não são daqui talvez nem entendam tanta paixão.
In-ter-na-cio-nal. Coração vermelho.
Fanático? Nunca.Somos a-apai-xo-na-dos!!!
Agora me dá uma licencinha:"Colorado,colorado/ nada vai nos separar/somos todos teus seguidores/para sempre vou te amar"! Isso é lindo!!!
Amei o texto.
Beijo grande.
Joana Giacomazzi
bravo, paulo!
da minha história com o inter, que já dura 38 anos(desde que nasci em uma família de colorados de longa data), tenho dois causos divertidos: um era a certeza que eu tinha de que não existia a hipótese de perder um jogo, e não existia mesmo! em 79 quando eu tinha 8 anos e ia a todos os jogos fomos campeões invictos! eu torcia pra um time que não perdia! haha. e nesse time tinha um cara especial: o falcão. nunca vi nada igual, classe, garra, técnica, um craque imortal. pois aí entra o segundo causo engraçado: um tio-avô chegado numa caipira quis me agradar um dia e me disse, olho nos olhos: "alemão, tu vai ser melhor que o falcão!" pra que, passei minha primeira noite em claro.
saudações coloradas a todos.
jorge
Paulo Bentancur!
Então você é colorado, do time do Falcão, do Figueroa e, agora, do Nilmar? Não sabia disso. É sempre agradável descobrir nas profundezas da arte gente que abre uma janela para os leitores e fala também sobre temas tão universais quanto os de sua literatura, ou seja, temas como o futebol, tão estimulantes como a leitura de um bom livro. Naturalmente, se vividos da forma intensamente inteligente como você demonstra viver.
Parabéns pelo centenário do seu clube. Eu aqui sou Brasiliense.
Luís Pedro Veiga Santos, Brasília - DF.
Bentancur:
sou teu leitor mas este texto vou pular. É que sou gremista, como demonstras entender bem como é que funciona isso. Então vais me perdoar por pular este. Os próximos seguirei lendo e relendo, como tenho feito.
Abraço.
Jaime do Prado, Porto Alegre.
Caro escritor:
você tem razão quanto a essa coisa de "fases", mas que a "fase" anda boa, ah, anda. Naturalmente, amanhã é amanhã, mas hoje, deem-nos licença. Precisamos comemorar esse gol que vale por cem.
Saudações coloradas,
(Timóteo Santos Costas. Cascavel, PR.)
Os jornais de hoje estão repletos de homenagens ao Internacional. Desde garoto, lá em Rosário do Sul, meu segundo time. Sim, porque ao ganhar um time de futebol de botão do Flamengo, a paixão rubro-negra ficou adormecida até minha mudança para o Rio de Janeiro. Até aquele momento, embora sempre espiasse o Mengão, torcia pelo Internacional, o do Figueiroa, o melhor jogador que vi jogar, quando vi Pelé já estava em final de carreira e não era tão brilhante por tanto tempo como sempre foi Figueroa. Tinha o Falcão, o Carpegiani, o Marinho Peres. Depois do Figueroa, não apareceu ninguém parecido com ele, salvo o Leandro na zaga do Flamengo. Sim, ele jogou de beque, sim.
Lembro do Jair, incompreendido sempre, um dos melhores também. E meu querido amigo Chico Spina, objetivo e de futebol alegre.
Depois, meu querido Paulo, só teve cabeça-de-bagre, jogador burocrático – o único a fugir a regra foi Fernandão. Tinga e quejandos são de chorar.
No Mengão, também campeão da Libertadores, também campeão do Mundo, só restam lembranças: Zico, Adilio, Leandro, Carlos Alberto Torres, Claudio Adão, Renato, o goleiro, o falecido Reyes, Zanata, e o grande Doval.
O Internacional pode ter um grande patrimônio, mas futebol, assim com o Flamengo atual, é uma desgraça. Pode ser que um dia ainda apareçam times que lembrem Falcão, Zico, Scala, Sadi, Silva, o batuta, Figueiredo, Geraldo, meio-campista falecido, lembra?, poucos se assemelham àquela elegância.
Nem vou falar do Manga, do Julio Cesar, o goleiro da seleção, do Flávio Bicudo, do Fio Maravilha.
Cem anos é tempo de passado, infelizmente.
Futebol não existe mais. Salve Muricy e Wanderlei Luxemburgo. E que o Dunga receba uma proposta irrecusável de um time do Afeganistão.
Paulo,
lendo as tuas dedicatórias no começo do texto, já comecei concordando com citares o Verissimo como um colorado inspirado. O que foi aquela crônica, "Não me acordem", que ele escreveu logo que o Inter ganhou do Barcelona por 1 x 0 e conquistou o Mundial?! Um dos textos mais emocionantes que já li, tendo como pano de fundo o futebol. tenho até uma tese: o Luis Fernando Verissimo não é apenas torcedor do Internacional, ele é parte da história do clube. Tem provado isso com alguns textos brilhantes que só valorizam a trajetória do clube.
E a ti, parabéns pelo texto. Tocante na parte do pai e no desfecho. E certeiro na provocadora análise da identidade do nome do clube "Grêmio".
Júlio Ricardo Lopes - Caxias do Sul, RS.
Paulo,
sou gremista mas não vou pular este texto, até porque estou acostumada a conviver com colorados, mas sobretudo para desejar Parabéns pela data, e dizer que se o Inter se tornou um grande time é porque sempre teve pela frente um grande adversário.
ótimo texto, parabéns também ao escritor.
grande abraço, Sandra
Bentancur,
Cem anos com um Taison jogando o que joga aos 20 anos. Um passado de glórias e um futuro promissor.
É isso aí!
Marcelo Baptista Elgar, Porto Alegre. RS.
Caríssimo:
uma contribuição para o teu texto. O Grêmio TERIA uma identidade. Seu nome oficial é Grêmio Football Porto-alegrense, isto é, deveria ser conhecido como o Porto-alegrense. Mas acho que o próprio Grêmio e sua torcida não suportaram ser apenas uma cidade quando o grande rival era nada menos que... Internacional! Então recusaram o próprio nome que eles mesmos registraram, para evitar a comparação entre um nome excessivamente modesto e um outro, grandioso. E ficaram apenas na denominação básica, um grêmio, "o" Grêmio (como o Barueri, por exemplo). O Grêmio preferiu esse anonimato sem seguidores no mundo do bom gosto a admitir que cometera o erro de chamar-se um clube municipal. Mas não terá como apagar isso.
Sérgio Alcides Pereira. Porto Alegre – RS.
oi.
nem li.
Melissa Osterlund!
Que honra ser visitado por ti. Apesar de que o não-comentário acena para uma não-visita, eu sei... Mas não me convenceu, rsrsrs.
Beijo.
Paulo,
fiquei aqui pensando no que a etiqueta mandaria em um caso destes, de (re)nascimento opcional no centenário do time. Bem, certamente não se poderia enviar flores à maternidade. Tampouco entregar charutos ao pai. Bem, enquanto não resolvo isso, fica só um abraço. E a lembrança: vê só, acabaste de nascer e já ganhas o primeiro grenal. Isso não é pra muitos.
K.
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