A vida tem seus truques, minúsculos milagres que fazem da morte repetida, contida nas contingentes misérias, um engano provisório. Não foi engano, talvez: morreu-se ali. Mas foi provisório, de fato, e a vida – que só cessará sobre o planeta sabe-se lá quando – dá um jeito de reacomodar os destroços.
O vitimado não os esquecerá, é certo. Mas bastam alguns acenos ou o evento certo, aquele acontecimento que faz diferença (e quando menos esperamos por ele, ele vem), e pronto, o ser que se ressentia disposto quase à desistência definitiva percebe que está se precipitando. Que os amigos são tão impotentes como ele mas também tão capazes como ele. E se são amigos, nada como a ponte da palavra para que uns passem para a ilha onde o outro está.
O Apocalipse, palavra-de-ordem nas atuais igrejas políticas, convence mais aos crédulos que aos céticos. E se este homem, descrente, cansou-se do baile de máscaras (não intencional) enquanto o ritmo do mundo lhe soava como um terremoto, é hora de lembrá-lo que a Literatura, que tanta vida lhe tem dado, é feita de reescritura mais que de escritura, e de revisões e de cortes, aparas, acréscimos, ajustes. Isso serve perfeitamente à vida, sem cujas medidas seria apenas o tédio dos que nasceram em berço de ouro, ou o fim antecipado dos desistentes de tudo por pura preguiça, palavra vergonhosa cujo sinônimo mais nobre seria niilismo. “Vai lá, rapaz!”, ele diz a si mesmo. Ajeita o cabelo e vai. Tem chance de dar certo. (01/03/2009)
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4 comentários:
Oba, Bentancur!
É isso aí: incredulidade tem limite. Indignação, ao contrário, não (conforme entendi em teu post anterior) é fácil de aguentar. Mas, uma vez vivo, o jogo continua. E o placar ainda está em aberto. Grande desfecho do teu pequeno grande texto.
Parabéns.
Lauro Machado da Rosa, Passo Fundo, RS
Excelente texto, perspicácia ao fotografar o caos em que todos estamos (mesmo aqueles que se julgam por cima da carniça). Revela uma crença sim - na vida. Enquanto houver vida, haverá chance.
Dá pano prá manga seu texto.
Zé, Santa Maria, RS
Recomeçar do fim... Você não é mole, hem blogueiro! Eu já tive um fim, e tentei recomeçar, e tentei, e tentei. Continuo tentando. Sinto que já estou quase lá. Mas não é fácil. O meu problema foi amoroso. A auto-estima da gente cai num precipício do qual jamais é içada. Mas, não sei como, estou conseguindo içá-la. Bom te ler.
Jussara Cunha, Ribeirão Preto (SP)
"Igrejas políticas"! Olha só aonde fomos parar? E o Apocalipse agora é a palavra-de-ordem, não mais o esperançoso Paraíso. Nos ameaçam ao invés de nos oferecerem alento?
Que coisa. Peço ao blogueiro que, de sua parte, menos que sinalizando com o pior, faço-o pelo nosso bem, como parece ter sido sempre a intenção deste blog. (Claro, às vezes a verdade machuca.)
Milton Chagas, Sorocaba, SP.
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