quinta-feira, 31 de julho de 2008

PAULO HECKER FILHO OU A ÉTICA DO NÃO

Tímido, escolhi a palavra escrita, cravada numa folha em branco ou numa tela de computador, para poder ir além do que a palavra, pronunciada pela voz – muitas vezes gaguejante, quando não inaudível –, poderia ir. As idéias sofriam o esmagamento que a pronúncia também sofria.
A razão principal dessa timidez era uma ofensa moral diante de um mundo que legitimava um diluído cinismo a dizer sim aos horrores – estéticos, comportamentais. Escrevendo, só o papel me inibia, e essa inibição se revelava menor que o desejo de imprimir numa página beleza verbal e alguma denúncia que faria um bem enorme à minha frustrada carreira de testemunha muda de tanta hipocrisia criminosa.

Foi aí, em 1974, eu com 17 anos, ele com 41, que conheci Paulo Hecker Filho, um crítico literário daqueles que não hesitaria em dizer que Jorge Amado é de segunda, quando não de terceira categoria.

Hecker tinha amigos como poucos têm, amigos que sabiam o quanto ele era confiável exatamente por ter a coragem de vaiar quando o comodismo da maioria levava ao impulso do aplauso fácil. Amigos que com ele tinham um espelho onde pudéssemos praticar o “não” como legítima expressão da verdade, contra o “sim” preguiçoso ou interesseiro.

Vi-o, a princípio como um guru, depois como um amigo de quem também aprendi a discordar (nada mais lógico num homem que conviveu tão bem com a discordância). Não conheci ninguém mais livre nem mais boicotado, intencionalmente “esquecido” num reduto cultural que, como em toda área, reage segundo o que lhe interessa sustentar.

Infelizmente perdi esse amigo, essa referência, essa literatura chamada Paulo Hecker Filho. Morreu a 12 de dezembro de 2006, com 80 anos de idade, em seu apartamento no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Eu estava morando no Rio de Janeiro e não chegaria a tempo do sepultamento.

Mais que a escrever, aprendi com ele a ser honesto sem ser suicida e a ser generoso sem ser bajulador. Devo-lhe inclusive a independência de não lhe ser epígono e de nem ter seu retrato na parede. O que não combinaria com semelhante mestre. (01/08/2008)

8 comentários:

Melissa disse...

17 anos? Isso não é idade que se tenha.

:)

Anônimo disse...

Paulo,

você não parece mesmo sofrer da famosa angústia da influência. Cita a torto e a direito, sem problema algum, os nomes que fizeram sua cabeça. E paga pedágio sem ser subserviente e nem comprometer seu estilo. Independente porque nunca de costas para o mundo (mesmo aquele que é "só seu"). Por isso lê-lo é sempre uma aventura.

Gabriel Dias Medina

Anônimo disse...

É preciso mais que talento para ousar tanto. É preciso mais que caráter. É preciso... Ajuda aí, vai, Bentancur. A crítica é um ofício quase suicida se exercido desta forma socialmente tão comprometida apenas com o que o crítico acredita.


Luísa Coutinho Borges, Criciúma, SC

Anônimo disse...

Luísa,

é suicida, sim. Quer dizer. Se o crítico não se armar antes, e bem armado. Ocupando uma boa posição numa mídia de ponta etc., condições que farão o criticado pensar duas vezes antes de tentar boicotá-lo.
Mas o furo, sempre, é mais embaixo. A questão, creio, é que os críticos bem posicionados, mesmo inteligentes, não se arriscam, e vão tratar de autores que já não representam uma ameaça a sua reputação (deles, críticos).
E os críticos, digamos, que precisam improvisar seus próprios meios de expressão, esses têm liberdade (não são pagos ou são mal pagos, e isso os deixa livres para baterem firme).

Anônimo disse...

Por isso que não existe crítica no Brasil. Ou é só acadêmica, quadradinha, engravatada; ou é aquela feita como Deus fez a mandioca, em jornal, que não acrescenta nada nem para o autor nem para o leitor. Nem para o crítico. Que gênero difícil!

Raul Melchiades Espinosa, Uruguaiana, RS.

Anônimo disse...

Paulo,

sabe-se que Hecker escrevia cartas para todo mundo. Eram cartas cordiais ou?... Li uma vez, numa matéria jornalística, que ele comentava não só literatura, mas cinema (ia todos os dias ver um filme, há cinqüenta anos), teatro, dança, exposições. Um crítico completo. Por que ele não publicou essa produção (a das cartas) tão vasta?

Júlio do Valle e Silva, Santa Maria, RS.

Anônimo disse...

Bonita homenagem, ainda mais bonita porque dedicada a um homem que não as teve em vida.


Sandra Maraschin (Farroupilha, RS)

Anônimo disse...

Feliz de reencontrar os dois...