sexta-feira, 11 de julho de 2008

INCORRESPONDÊNCIAS

Um romance de Flaubert, “Bouvard e Pécuchet”, e a ficção completa de Coelho Neto (atenção: publicou cerca de cem livros! Não encontrou estilo, voz, entre tanto tema e tanta tentativa de forma). Vêm casados. Leu o primeiro, tem de ler todas as milhares de páginas do outro. Você não não tem escolha.

Um conto de Kafka, “A Construção”, e os diários completos de Josué Montello, 5.000 páginas. Exponha-se ao estupefaciente espetáculo da armadilha do theco, entregando sua alma ao demônio da tortura reveladora. Só que aí deverá expor-se à monotonia do redundante e da gordura verbal e da retórica. Enfim, do dispensável (este mundo exige-nos públicos, formalmente políticos, e é construído pelo óleo de rícino das convivências obrigatórias) de um registro inacabável, anotações calculadas para mostrar aos vizinhos: “olha como sou importante e conheço gente importante.” Você não pode escolher. Ou os dois, ou nenhum. E Kafka é imperdível. E Montello é um porre. Grafômano como Coelho Neto. O estigma foi lançado na origem do tempo: vocês vê-se obrigado a ler os dois. Um, por questão de não resistir à literatura com L maiúscula. Outro, por sobrevivência. Pediram-lhe... Não, não – seja ético.

Cinco mulheres belíssimas, o rosto a sugerir a lírica da geração de ouro da poesia espanhola do início do século XX – o rosto, só o rosto! –, lábios como polpas frutuosas de uma Scarlett Johansson (ou, para leitores que tinham sua musa nos anos 1980, os mesmos inacreditáveis lábios e os olhos vítreos – misto da pureza de uma Cecília Meireles com a depravação de Capitolina – de Natasha Kinski), nos cabelos a frondosa cachoeira de Júlia Roberts ou a floração ensolarada de Michelle Pfeiffer; no corpo, espaço longilíneo a exigir todo o fôlego de atleta e um coração liberado após exames no mais conceituado cardiologista do País, o desenho afrontoso do biótipo de Jennifer Lopez: curvas quase típicas de Niemeyer. Tal soma me leva ao vórtice da mais febril perturbação, meu espírito trêmulo tomado pela carne enfim, mas – nada inteligentes, maldição!, nada curiosas, só podia!, mentes que bocejam, neurônios que se afogam na profundidade de palavras de mais de quatro sílabas, indelicadas com nossas barriguinhas de cerveja porque exigem que malhemos como elas e não nos perdoam trocarmos a academia por um Shakespeare. Escolha, meu amigo, meu inimigo: ou um desses ícones ou... A feinha de cabelo ralo colado na testa porejada de suor, uma tábua atrás, abaulada na altura do umbigo, o nariz grande, a boca um risco, os olhos levemente inexpressivos com ou sem óculos, porém, que agilidade nos argumentos, que febre na fala, que sensatez ao escutar, que delicadeza ao conduzir nossas diferenças, que memória, que arquivo de informações sem-fim. E daí?

Cruel encruzilhada encontra-se o homem, já que a mulher tem, historicamente – até as bonitinhas! –, ficado, sem problema algum, com o segundo tipo, escolhendo homem por encantamentos abstratos mas 100% respeitáveis, deixando a beleza física em segundo plano e a riqueza de espírito, caráter, valores morais etc. colocados na frente de tudo.

O homem – o homem, em verdade, experimenta 30 delas, as do primeiro caso. Casa com a 31ª. Do primeiro caso. Agüenta cinco anos, e se separa. Fica à deriva durante mais uma década, insistindo, já sem esperança, mas insistindo, sempre, com as do primeiro caso. Até que apareçam as primeiras doenças e ele então se atire aos pés da com o cabelo colado na testa, aquela para a qual os homens nunca olharam e cada vez olham menos. A idade chegou e o futuro agora só promete, como auge, o descanso ou a boa conversa. Não há mais tempo para aventuras. (12/07/2008)

5 comentários:

Anônimo disse...

Bem, mas temos de escolher, sempre correndo o risco. Você tem razão, principalmente na parte literária, que é torturante e até mesmo engraçada. É rir e chorar. Quando chega a parte do afeto e/ou do desejo, meu amigo, aí, pôxa, é dureza. No geral você acerta o foco. Está assim de deusas lamentáveis para se conviver. E de garotas de aparência modesta, não muito convidativa, e que valem uma noite de conversa. O diabo é que as vezes só dá vontade de conversar com elas e mais nada. A natureza humana (ou é só a masculina?) é cruel. Você toca num ponto-chave. Seu blog está a cada dia mais provocador, e sério.

Lauro Mayer - Joinville, SC

Anônimo disse...

Paulo, caro:

Bombástico, de bombacha, porreta, instigante teu último post. E daí, com quem você fica? Ou não tem de escolher. A escultural e gostosa agüenta um papo legal? Sim, porque sempre se tem o dia inteiro... E daí, meu mano?

Abração

Menalton Braff, ficcionista, a 200km de São Paulo, SP.

Anônimo disse...

Homens que lêem ou o que escreve este blog: é assim tão impossível encontrar mulher gostosa e com bom papo para o "depois"?
Assim vou deprimir. Será que me "acho" um pouco de cada e não é suficiente?rsrs
Mulheres: vamos lá!Academia e ler, ler e ler.Ah,mas coisas boas, como o Bentancur e tudo mais que ele indica pra ver se agradamos nossos queridos num papo e também algo mais...
Paulo,o texto está incrível. É disso que gostamos.Continue!!!
Um beijo

Joana Giacomazzi

Anônimo disse...

Acho que a grande diferença, meu caro Paulo, sempre provocador (por isso te leio), é que a mulher escolhe e o homem não. E a mulher, quando escolhe, agüenta até o fim, paciente. Ou, se se arrepende e é lúcida, acaba com tudo antes de experimentar outros rumos. E nós, homens (generalizar é o cão, mas que fazer?), ficamos pulando de galho em galho. Quebrando todos eles. Derrubando a árvore inteira. A floresta inteira. Caídos no chão. E fingindo dormir e sonhar enquanto uma das traídas esmurra nossa porta para que acordemos. Não acordaremos. Não atenderemos a porta. E eu lamento por elas e por nós.

Luiz Carlos Pacheco

Anônimo disse...

Rindo muito! Mas que texto provocativo. Acho graça quando pessoas que não te conhecem levam ao pé da letra o que serve apenas para instigar o bom debate. Também ando cansada de ser politicamente correta. Homens como o que descreves acabam destruídos por lindas mulheres ou condenados às de cabelo lambido... simplesmente porque não passam no critério de excelência das lindas e inteligentes. Esconder-se atrás de uma barriga ou mesmo de um par de óculos para acusar o outro sexo de fútil ou desprovido de beleza fica muito fácil, não é mesmo?
O problema da mulher linda e inteligente é que ela não bate palminha pra tudo o que o homem de conteúdo (conteúdo?) faz, diz, escreve...rs.
Beijos, meu lindo!
Érica