domingo, 7 de abril de 2013

TALENTOS



O sujeito, afinal de contas, era medíocre porque, sendo talentoso, deu vez a um medíocre em sacrifício da própria genialidade, posta de lado pela dúvida sempre cruel da autocrítica, a princípio uma virtude, a seguir, um vício. Não acreditava no outro, claro, porém, incapacitado de crer em suas virtudes e engenho, preferiu render-se ao movimento contínuo, talvez monótono, da necessidade de afirmação do colega, sem talento algum, sim, entretanto tornado mais forte que ele diante da indiferença do mundo.
Por outro lado, que talento o do sujeito que, sendo medíocre, sentiu a hora única na brecha mínima que foi a dor atroz da profunda insatisfação do amigo talentoso, e naquele segundo de hesitação deixou-o para trás, permitindo que ficasse inédita uma novela lancinante do outro, e que as portas se abrissem ao vazio fútil e fácil que foi então sua ascensão imposta pelo simples desejo de subir. Desejo que ninguém segura. E que o universo, feito de matéria escura, aplaude. (07/04/2013)

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Bentancur:

forte,irônico,imprevisto, paradoxal. Gostei muito.

Sérgio Luiz Machado - Campinas, SP.

Anônimo disse...

Impressiona o jeito com que você fala da arte e da natureza do talento ou da falta dele, de uma modo bastante original.

Beijo.

Lúcia Mendonça (Flores da Cunha, S)

Adriane Garcia disse...

Ah, este mundo dos espertos sempre dá bons contos...

Paulo Bentancur disse...

Grande leitora que és, Adriane,captas a essência da postagem. Beijo!