sexta-feira, 23 de maio de 2008

PARA QUEM NÃO QUER LER

Para quem não possui o menor desejo de ler e, por um desses incompreensíveis acidentes, tropeçou neste site, neste blog, neste texto, eu jogo a faca de ponta, para que se crave a um centímetro de seu sapato, e digo “espera aí!”
Quem não lê poderia ser tanta coisa, mas não vai ser. Porque não lê.
Quem não lê pode ser rápido nos cálculos, ardiloso na forma manhosa como se aproxima da clientela e obtém um sucesso comercial que lhe rende boas roupas, carro, casa. Mas se não lê, o que vai dizer à mulher?, ao filho?, aos amigos?, aos vizinhos numa emergência moral, em algum imbróglio de convivência, que não seja banal, pobre, rasteiro, vulgar, vergonhoso, perigoso, mortal, suicida, assassino, equivocado (equívoco que não será corrigido porque escutado por outro que também, por conviver com ele, não lê).
Quem não lê pode fazer de conta que não me leu – se por acaso acabou dando uma topada, como quem tropeça numa pedra no caminho (só assim!), neste texto desaforado como só o que tem a coragem de mergulhar no abismo é. Quem não lê nunca mergulhará, teme o abismo, e bóia na superfície onde o sol o torra e ele chama isso de felicidade.
Quem não lê mal fala, mas fala mal dos outros, e sobretudo fala mal, não sabe falar direito. Confunde, quando conquista algum discurso de ocasião, um discursinho mixa, com saber falar bem. E quando fala bem dos outros, o faz tão mal, que parece bajulação. Geralmente é. O cara não lê, e não ler nos apequena o espírito, espreme-o, e dele saltam fora a curiosidade, a integridade e a generosidade. A justiça, quando fica, é somente aquela executada a ferros e argumentada sob as sombras do revide.
Quem não lê, mal ouve, mas escuta – por espichar os ouvidos – unicamente o que se pode escutar: barulhos bobos, freadas, berros, tiros, gente batendo boca, papo furado (de quem não lê, porque quem lê fura qualquer papo e o atravessa e chega lá do outro lado, onde as palavras valem ouro e trazem beleza e bem-estar e emoção a quem escuta quem lê).
Quem não lê mal vê, mas vê o que os olhos, e só os olhos, enxergam: a cidade num risco de pressa, a pressa de quem não lê e não admite atrasar-se no trabalho, como se só a hora certinha fosse acertar todos os projetos e todas as convivências. Vê o que a televisão mostra, embora o bocejo nuble seus olhos e a mente, já nublada pela pouca informação (uma vez que não lê), consegue compreender profundamente apenas o sono, que vem, e o arrebata.
Como meu texto não o arrebata. (18/05/2008)

Um comentário:

Anônimo disse...

Quem não lê não tem oportunidade de ler um texto tão sofisticado como esse.

Que pena!

Jeff Negromonte