sexta-feira, 23 de maio de 2008

MACHADO DE ASSIS E A ESCRAVIDÃO

Machado de Assis, no dia 20 de maio de 1888, condecorado com o título de Oficial da Ordem da Rosa (honraria criada pelo imperador Dom Pedro II para distinguir personalidades que não se destacassem apenas numa área, mas que somassem diversos valores diante da sociedade) pelas mãos da regente Dona Isabel, desfila pelas ruas do Rio de Janeiro. Vai por insistências de amigos. Não pretendia ir, confessa-o, mais tarde, em crônica que publica em jornal. Há uma semana promulgou-se a Lei Áurea, assinada pela regente, e os escravos – oficialmente – estão libertos. Oficialmente. Na prática, continuarão a ser humilhados, apenas que com minguados soldos a partir da data.
Machado publica crônica em que, com sua meticulosa ironia, driblando a pressa dos que lêem com ânsia conclusiva, destila seu ceticismo porque sabe que a escravidão, além daquela, específica (e que, sim, era preciso ser exterminada), há outras, inclusive envolvendo brancos, “livres”, mas pobres, e se pobres, escravizados a um sistema alimentado só por resultados palpáveis.
Muita gente andou escrevendo, depois da morte de Machado (29/09/1908), que ele virara as costas para a sua raça. Machado nunca foi um militante, no aspecto panfletário. Diante da questão escravagista, o tom com que ele sempre encarou as desgraças de seu tempo –com humor dosado, que roça a descrença sem desespero e flagra as contradições, os jogos a encenar movimentos calculados em todas as áreas, culturais, políticas, econômicas, sociais, dos I e II Reinados e dos primeiros anos de República -, esse tom passa ao largo dos gritos dos abolicionistas e parece, porque não se impõe pela força da bravata inoculada na retórica dos “libertadores”, uma discreta, quase desinteressada voz que não serve de testemunha.
Ao contrário, basta ver o conto “Pai contra mãe”, publicado em 1906, em Relíquias de casa velha, conto que, aliás, abre o volume, logo após o famoso soneto “Carolina”, uma desconcertante trama onde um caçador de escravos captura uma negra grávida, e na luta com ela provoca-lhe o aborto. Ia, o caçador, ter de entregar o filho à Roda dos Enjeitados (sistema arrepiante de adoção de crianças sem futuro), cheio de amor paternal e sem um tostão no bolso. Na iminência da tragédia, encontra a escrava pela qual recebe cem mil-réis. Consola-se: “Há filhos que não vingam”.
Machado de Assis, mesmo diante do horror da escravidão, transcende a ela nesse conto, e fixa a escravidão humana, geral, relativa. Absoluta no caso dos negros, então. E atenuada (em vez de açoites físicos, açoites verbais) no caso de brancos na miséria. Hoje a escravidão é outra: soma todas as raças, reúne-as para alimentar um tipo diferenciado de senhor. Está faltando um Machado de Assis, não para denunciá-la com propaganda, mas para, muito além, retratá-la em suas nuances, ambigüidades, contradições. O mundo só é livre para quem tem dinheiro e apenas o usa em seu favor. (11/05/2008)

4 comentários:

Anônimo disse...

Paulo,
gostei muito do texto.
Muito bom encontrá-lo aqui.

Forte abraço.

João Carlos
(Sta Maria)

Anônimo disse...

Excelente. Parabéns pelo artigo importante sob os mais diversos pontos de vista. O Brasil necessita cada vez mais de pessoas que digam o que dizes.
Grande abraço,
José édil Alves

Anônimo disse...

Sim, provavelmente por isso e

Anônimo disse...

adoreei o texto muito simples e bom! Entendi com mais facilidade para a conclusão de um trabalho... Muito obrigada seu blog é um grande sucesso! Parabeens !!!

Sara ( 13anos )