Um dia, uma hora, após um evento quase imperceptível, ou uma soma deles, e o tão alentador ritmo da criação constante escoa pelo ralo. E ficamos em silêncio, mudos e, se mudos (escritores que somos), sem interlocução, sem gente que também nos fale. O leitor não perdoando nosso silêncio. Então é preciso voltar a escrever para voltar a ler o que recebemos como resposta, o que acontece do outro lado da tela, da linha, da vida que em nós ameaça se encolher e se expande se escrevemos.
Andei parando. As demandas a se somarem e eu com olhos e ouvidos para outras vozes que não a minha. E calei-me, sem calar no entanto o calor do que eu próprio me dizia e das coisas que lia, diariamente, e que reverberavam em mim. Torturante silêncio. Uma hora rebentaria, explodiria, libertar-se-ia e iria em direção a quem faz o favor de me ler. E a roda-viva retomando então seus movimentos, a Terra voltando a seu mecanismo na relação com os demais astros e seu satélite e sua estrela de quinta, sim, mas que grandeza! Agora me sinto restituído a mim mesmo, dono outra vez das minhas ações, estas palavras que me vestem e com as quais vou tateando a realidade para que ela me reconheça e, desta forma, me aceite, me receba inteiro. E aqui estou. Audível, legível. Homem sem cujas palavras ele será apenas um nome à espera de uma lápide. E sem nenhum leitor, nenhuma testemunha, morto antes da hora. (24/01/2012)
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7 comentários:
Olá Paulo! Visitei o blog da Bet "Lugar de pesca" e vi suas referências ao meu comentário. Que bacana! Uma frase tão simples e que realmente faz muito sentido para mim! Sempre fui uma curiosa dos mistérios da vida e, como Deus se faz tão presente no meu dia a dia, não acreditar, no meu ponto de vista, seria também é um grande mistério. Mas como você tão bem pontuou, não existem certezas!
Ana Paula,
obrigado por visitar meu blog. O espaço aqui está, aberto à tua voz, bem-vinda. Grande abraço.
Caro Paulo,
incrível como você passa essa coisa meio indefinível da fome, da sede, da necessidade urgente por escrever, por falar. Não escrever, no seu caso, parece uma espécie de mudez, de desgraça. Eu diria de catástrofe. E é isso mesmo, a gente percebe, lendo e relendo o que você reflete, como geralmente o faz, com muita profundidade. Sou seu leitor contumaz, e só lamento que você ultimamente tenha postado tão poucos textos. Escreva mais, amigo. Mais e mais. O que, pelo que entendo, será melhor para você próprio e, por consequência, para os seus leitores. Entre os quais com orgulho me incluo.
Marcos Marcondes Filho - Santo André, SP
Mano,
Esse não gostei. Me soou como autoelogio. "Sou escritor, sou alguém superior". Tu fala que voltou a escrever porque precisa. Teoricamente precisa falar algo, mas não fala. Passou o texto inteiro bajulando a própria posição de escritor. Não falou sobre o que te manteve afastado do texto. Não falou que começou a cuidar mais da saúde e da aparência porque tem medo da decadência. Não falou que precisa ganhar dinheiro antes de pensar em escrever. Em vez disso, usou palavras (roda-viva, satélite, estrelas) que de tão batidas já perderam o impacto e quase mudaram de significado na cabeça das pessoas (Roda Vida é o programa na TV Cultura. Satélite é aquilo que a Nasa manda pro espaço e Estrelas é o programa de merda da Angélica).
Quando um escritor de verdade escreve um texto falso, é porque ele tá encobrindo (negando?) o texto verdadeiro.
Qual o texto que tu tem pra escrever e não tá com coragem?
Um abraço do teu leitor!
Lisandro Pessi (Porto Alegre, RS)
Paulo Bentancur,
seu texto causa-me profunda identificação. Acho que você, nele, revela a condição humilde e precária do escritor, um ser que come palavras, que vive dela e que, se não, definha à míngua. No escritor que o silêncio ainda não intimidou, fica o medo de calar. Essa é uma condição paradisíaca? O escritor está acima dos outros homens? Não. Seu texto mostra o quanto o escritor é atingido pela fatalidade de PRECISAR dizer. Tão mais cômodo poder estar mudo. Mas o artista, em geral, não pode. Maldição e bênção. Parabéns.
Ana Palin
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