sábado, 26 de abril de 2008

O PIOR CRIME É TUDO AQUILO QUE NÃO COMETEMOS

Cuidado com o que você não faz! Muito cuidado.
Estão todos à espera da sua ação: a família, os amigos, os colegas de trabalho, os conhecidos, os inimigos. Tente ficar imóvel, calado, fora da jogada – e você vai ver que reação terrível causará nessa gente toda.
O mundo acorda cedo, à toda. Não admite, em hipótese alguma, que você desça até o térreo... de pijama! E só para levar o lixo. E que depois suba, entre novamente no apartamento e pegue um livro para ler. Só isso? O que você está pretendendo? Qual é a jogada, afinal? Tem coisa aí...
Você não tem site, você não sai; você não fuma, não bebe até sentir aquela tonturinha essencial para distrair as ansiedades vitais; você não discute com o torcedor do time adversário, você não visita as redações, você publica seus textos com a maior discrição possível – cadê o estardalhaço, cadê a indispensável insistência com os editores da imprensa cultural para que lhe dêem espaço, cadê você na rádio, na tevê, mesmo a comunitária, quem você pensa que é não sendo, desse jeito!?
Cuidado, muito cuidado.
O mundo conhece bem – e se dá bem – com os que aprontam, abusam, acusam, usam todos os espaços porque só assim estão sempre presentes e podem controlar e ser controlados. Mas você...
Fica aí, em casa. Recebe dez e-mails e responde a só um. O telefone toca meia dúzia de vezes; nalgumas você nem atende. Noutras, quando atende, dá uma desculpa: “pois é, tô de saída...” O que querem? O de sempre: auê, conversar sobre um projeto (que vai levar seis meses para ser aprovado e mais seis para sair do papel), discutir uma relação que não deu certo, sob todos os aspectos e com todas as evidências já previamente anunciada há meses.
Discutir! É o nome que dão a reuniões regadas a água mineral sem gás, café a conta-gotas e uma retórica tecnicista, de fundo evidentemente político enquanto estratégia de administrar as convivências, isto é, os interesses. Mas se têm tanto a fazer, conforme demonstram em planilhas de excel saturadas de dados, planilhas que distribuem em cópias caprichadas e coloridas enquanto você anota seis frases com algum significado e pouca possibilidade de concretização, por que ainda perdem o precioso tempo nessa sanha de reunir-se e reduzir a pó e muita conversa fiada meio expediente?
Você não perde. Entrega-se à sensata imobilidade de quem sabe que nada de importante possui para revelar, realizar. Apenas encaminhamentos e produções que dão alpiste no bico da sobrevivência e algo que talvez um dia você possa chamar de criação e que certamente nada lhe renderá nem mesmo para seus descendentes.
Sua atenção reclamada não salvará, efetivamente, ninguém, embora qualquer um faça questão de acusá-lo – quando o pega desprevenido – de que a indiferença é uma agressão das mais violentas, e essa avaliação é só o começo de um discurso de uma hora inteira na qual você será apontado como ingrato, frio, insensível, cruel. Enfim, um monstro.
O silêncio, na maioria das situações, as urgentes (cotidianas num mundo urgente), é gritante. A omissão – diagnóstico jurídico para a sensatez e o simancol – é uma presença insuportável.
Portanto, você, que é pacífico, que não é ambicioso, que está cansado do baile (com máscaras e sem máscaras), que tem mais o que fazer – por exemplo, cuidar dos filhos, escrever um livro sério, ler um livro sério, que tem senso do ridículo, que não deseja azucrinar os outros –, atenção! Não irão perdoá-lo, nunca.
Você será incriminado, não por não fazer parte das piadas, claro, mas por não estar presente para escutá-las. E ser inocente num mundo criminoso, segundo a horda ruidosa, é apenas bancar o inocente. Ninguém os convencerá do contrário.
Quanto menos você pisar na jaca mais vai espirrar pra cima de todos. Apesar dos passos que você, com tanto cuidado, tenta sejam silenciosos, imperceptíveis.

8 comentários:

Anônimo disse...

Pois é isso mesmo,Paulo.
Este mundo não é nada fácil.
Melhor, certas "pessoinhas" fazem este mundo ser tão grande ou tão pequeno conforme suas atitudes.
Ah, mas para desespero de alguns ou de muitos, pessoas como tu, nos fazem ver que ainda existe trigo no meio deste joio.
Um abraço.
Joana

Anônimo disse...

Paulo:

Por favor, conte-nos algumas histórias antológicas que tenha vivido como editor. Gostaria também de ler sobre as diversas feiras do livro ao redor do mundo e suas peculiaridades. Divida conosco sua experiência no assunto.
Abraço,
Sua leitora

Anônimo disse...

Nunca vi um perfil tão bem diagnosticado. Você realmente é um fóbico social cheio de amigos, admiradores, leitores... Que paradoxo, não é mesmo?
Curioso foi encontrar a palavra "preguiçoso". Explique-se. Você nem descansa aos domingos.
Um beijo da Lou

Anônimo disse...

Senhor Escritor:

Hoje me chamaram de egoisminha. Achei a palavra tão sonora,nem soou agressiva. Num passe de mágica,lá estava eu protegida num caracolzinho maneiro, sem culpa.
Outro dia escrevo mais sobre o conceito de minhoca atropelada.
Não estranhe o comentário.
Num artigo da Lya Luft, li que ela gosta da sonoridade das palavras como quem gosta de balinhas.
Não é assim mesmo?
Abraços!
Leitora Reflexiva

Anônimo disse...

Olá Paulo!
Aqui estou para mais uma visita ao seu site e, claro, ler os seus textos, sempre cheios de mistérios, que convida o leitor a uma reflexão, mesmo não querendo refletir...
Me identifiquei em vários parágrafos desse texto, por isso não poderia sair sem deixar o meu muito obrigado à você.
Grande abraço!
Fátima Meira

libreroslibres disse...

Caro Paulo, a charada foi morta por ti, e, por tê-la matado, és culpado.
A imobilidade e o silêncio incomodam quando não há sintonia, e se tornam absurdamente pesados, feito elefantes, bailando mascarados, em um salão repleto de cristais.
Mesmo que nos desviemos cuidadosamente das jacas e cristais, como ser silencioso em pleno outono, com o chão repleto de folhas de plátanos, tapete delator multicolorido e sonoro.
Independentemente do que façamos, seremos culpados por alguma coisa, e já que essa sentença não admite recurso, confesso, também sou um abominável criminoso, mesmo parecendo um inocente e imperceptível cordeirinho vestindo pijamas.
Um grande abraço e parabéns pelos textos.

Artur Montanari

Ana Paula Maia disse...

Vim aqui fazer uma visitinha e me deparo com este texto. Nossa! Minha Nossa! Nota dez.

;)
bjs,
ana.

Anônimo disse...

Paulo

Texto dez. Esse texto provocou um fenomeno em mim. Não do tipo Ronaldinho, é claro. Mas me fez levantar, coçar a cabeça e ir fazer alguma coisa, que mais tarde vi que tinha ido besteira. Mas fiz.
Continue assim moldando esses textos milionarios.

abração

Jeff Akon