segunda-feira, 31 de março de 2008
BLEARGH ou BLOG ou CATARSE
Não sou etimologista nem mesmo – quando essa moeda rara, o tempo, me cai na mão – dedico-me a ir atrás da origem de alguma palavra. Para começar, está cheio de dicionários etimológicos por aí. O filólogo António Geraldo da Cunha que não me deixe mentir. (Ou deixe, já que a expressão de que aqui trato ainda não é encontrada em dicionários conhecidos.) Blog é uma palavra cujo big bang (acredite se quiser: esta já está aportuguesada como bigue-bangue) não se deu assim, sem mais nem menos. Foi ao acaso. Em abril de 1999 (blog então estará fazendo aniversário: 9 aninhos!), Peter Meme, de cuja biografia ainda teremos notícia um dia, lutava – não exatamente como um lexicógrafo, mas com conceitos que o pudessem levar à concepção de um novo uso dentro do universo einsteiniano dos computadores – com as palavras web ("rede") e log ("conectar"), preso à contração de web + log. Na internet isso representa (no papel do log) as instruções com as quais se recomenda uma segura e adequada navegação na rede. Meme viajou na maionese: seccionou a expressão. Em vez de web (vocábulo manjado), we ("nós"), e o b que sobrou ele não jogou fora: somou-o ("linkou") ao log. Dava blog, o que não queria dizer nada em inglês e, portanto, nem em português ou em qualquer outro idioma. Essa súbita adição do resíduo da última consoante de web ao log libertador, permissivo, gerou um resumo de muita coisa: blog, que, rindo, soava a Peter de maneira curiosa, humorada, lembrando mesmo o som de um esgar, a onomatopéia de um vômito. Tomou logo uma decisão: passaria a denominar suas mensagens, a partir dali, de blogs. Isto é, "cuspidelas" no mínimo. Se extensas, "vomitadas". Pensando bem, em português isso faz um enorme sentido: escrever mensagens, sobretudo se elas possuem o tamanho das antigas missivas confessionais, de fôlego (embora, no universo do blog, fôlego não importe tanto, valendo tanto uma linha quanto duzentas), entramos no reino da catarse, isto é, da purificação, onde o que estava recalcado encontra, através da expressão, a sua porta de saída. O espaço prodigioso da rede, conectada com um sem-número de pessoas, é, enfim, a oportunidade para que essa catarse não fique restrita a um só destinatário. O blog, desta forma, embora se resuma no nome, se amplia na ação. E a atitude do blogueiro, mesmo que na origem etimológica da palavra em inglês se pareça à de um sujeito nos jogando em cima a sua bílis ou a sua má digestão, é, sim, a de alguém que transforma seu mal-estar (ou seu bem-estar) numa voz que – antes condenada à particularização, ao isolamento – se estende numa rede onde quem quiser pode lê-la e ter sua própria catarse, aliviar-se nesse "bleargh" necessário, que nos aproxima a todos.
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