Todas as histórias de amor terminam mal, quando terminam, com ou sem consenso das duas partes, mas pior é quando uma relação, que se revela obsessiva através da linguagem (não dos eventos), mostra de diversas maneiras que ambos os protagonistas não amam ninguém. Este é o desconcertante paradoxo que Carola Saavedra, em seu quarto livro e terceiro romance, Paisagem com dromedário (Companhia das Letras,168 páginas, R$ 38,00), monta numa estrutura narrativa que tanto inova quanto é eficaz.
Os 22 capítulos nada mais são que 22 fitas gravadas que Érika, artista plástica envolvida com Alex, ele também artista plástico, só que, ao contrário dela, dedicado à carreira e consagrado, deixa para o ex-parceiro após afastar-se para uma ilha remota (pelas características, deve tratar-se de Lanzarote), região vulcânica, com uma natureza única e cuja fauna inclui a presença até mesmo de dromedários. Metáfora talvez de um mundo onde não cabe qualquer identidade.
Karen, ex-aluna de Alex, ocupa um papel aparentemente passivo nesse estranho triângulo amoroso, onde emoções básicas como ciúme, disputa, agressões – esperáveis – não acontecem nem sequer são sugeridas. A explicação talvez seja a natureza da liberdade e da influência de Alex, do temperamento quase indiferente de Érika (padecendo de um câncer terminal, do qual virá a morrer, Karen deixa sucessivos recados na secretária eletrônica da amiga, mas Érika não responde).
Embora Carola seja uma escritora que, no ápice de sua trajetória, atinja uma qualidade verbal extraordinária, embalando com suas palavras harmonizadas uma atmosfera propícia para a expressão de grandes ideias acerca da busca do afeto e das verdades humanas que envolvem o precário de todos nós e as ambições naufragadas, o aparente papel secundário da trama vai mostrando que há uma história forte por trás daquela inusitada estratégia de mostrar um mundo novo a um artista plástico por meio de sons e não de traços. Antes, tal discurso, ao qual a narradora se entrega com intensidade, destaca mais ainda a história a ser contada. A cada depoimento – deixado para Alex, cujas mensagens na secretária eletrônica Érika também não responde –, a força das reflexões aumenta e, ao mesmo tempo, conflito e personagens ganham mais em humanidade.
Sem análises morais, geralmente à mão, e inevitavelmente previsíveis, que Carola supera, indo muito além, Paisagem com dromedário parte do amor mas busca, em meio a esta espécie de rito de passagem (o desejo renovado em outras formas de relação), chegar a um sentido mais convincente para a eterna separação entre viver e criar. Alex escolheu a criação. Na dúvida, buscando a distância para ver melhor, Érika talvez opte por uma terceira saída. (06/08/2010)