2 de setembro de 2010 às 01:32
Assunto: Direitos autorais
Não costumo enviar este tipo de mensagem, mas diante da minha indignação, e como atuamos na mesma área, não resisti a compartilhar com você estas reflexões sobre a proposta da lei de direitos autorais: Deixará de ser crime ou uma infração legal reproduzir obras fora de catálogo. Essa é uma das aberrações que estão na proposta da lei de direitos autorais cujo prazo de consulta pública terminou no final de agosto (31). Deixei para a última hora dar uma olhada e o que vi é preocupante.
Por exemplo, estará agindo legalmente quem reproduzir um livro, um dvd ou um cd que saiu de catálogo, e que o autor está suadamente buscando lançar por outra editora ou selo fonográfico ou outra forma de distribuição. É o fim por decreto dos direitos autorais em terras brasileiras. A proposta não está mais disponível para comentários, mas pode ser lida em http://www.facebook.com/l/b7d53vNg8FDbRvin6D24wE6uRGQ;www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/wp-content/uploads/2010/06/Lei9610_Consolidada_Consulta_Publica.pdf.
Tem muita coisa boa, mas tem muitos itens inquietantes (considerando-se a perspectiva de artistas e autores que acham justo terem algum retorno financeiro, por menor que seja, assim como o tem qualquer profissional de qualquer área). Ainda é um projeto de lei. O que será aprovado dependerá agora da eventual mobilização dos envolvidos, individualmente, em grupos, via organizações, etc.
Segue um dos trechos que, na minha humilde visão, é um disparatado absurdo: Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais a utilização de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza, nos seguintes casos: XVII – a reprodução, sem finalidade comercial, de obra literária, fonográfica ou obra audiovisual, cuja última publicação não estiver mais disponível para venda, pelo responsável por sua exploração econômica, em quantidade suficiente para atender à demanda de mercado, bem como não tenha uma publicação mais recente disponível e, tampouco, não exista estoque disponível da obra ou (...) para venda.
E é importante observar que um percentual expressivo da população não vê com maus olhos esse tipo de proposta. Pois a perspectiva do "consumidor" de arte não é a mesma do produtor e do criador, inclusive porque aquele desconhece a prática do mercado de cultura no país. Um escritor não reedita seus livros que estão fora de catálogo porque não deseja fazê-lo, por descaso com o leitor, mas porque atua num mercado complexo, em que o acesso às editoras não é exatamente fácil. Além disso, é claro, ele deveria ter o direito de decidir sobre sua obra voltar ou não a circular. Porém, pela proposta da lei, essa "incapacidade" do autor para conseguir ser reeditado, ou a sua decisão pessoal de não reeditar alguma obra fora de catálogo, será "socialmente punida".
Um abraço
João Batista Melo
terça-feira, 7 de setembro de 2010
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
ROMANCE PARA O LEITOR ESCUTAR
Todas as histórias de amor terminam mal, quando terminam, com ou sem consenso das duas partes, mas pior é quando uma relação, que se revela obsessiva através da linguagem (não dos eventos), mostra de diversas maneiras que ambos os protagonistas não amam ninguém. Este é o desconcertante paradoxo que Carola Saavedra, em seu quarto livro e terceiro romance, Paisagem com dromedário (Companhia das Letras,168 páginas, R$ 38,00), monta numa estrutura narrativa que tanto inova quanto é eficaz.
Os 22 capítulos nada mais são que 22 fitas gravadas que Érika, artista plástica envolvida com Alex, ele também artista plástico, só que, ao contrário dela, dedicado à carreira e consagrado, deixa para o ex-parceiro após afastar-se para uma ilha remota (pelas características, deve tratar-se de Lanzarote), região vulcânica, com uma natureza única e cuja fauna inclui a presença até mesmo de dromedários. Metáfora talvez de um mundo onde não cabe qualquer identidade.
Karen, ex-aluna de Alex, ocupa um papel aparentemente passivo nesse estranho triângulo amoroso, onde emoções básicas como ciúme, disputa, agressões – esperáveis – não acontecem nem sequer são sugeridas. A explicação talvez seja a natureza da liberdade e da influência de Alex, do temperamento quase indiferente de Érika (padecendo de um câncer terminal, do qual virá a morrer, Karen deixa sucessivos recados na secretária eletrônica da amiga, mas Érika não responde).
Embora Carola seja uma escritora que, no ápice de sua trajetória, atinja uma qualidade verbal extraordinária, embalando com suas palavras harmonizadas uma atmosfera propícia para a expressão de grandes ideias acerca da busca do afeto e das verdades humanas que envolvem o precário de todos nós e as ambições naufragadas, o aparente papel secundário da trama vai mostrando que há uma história forte por trás daquela inusitada estratégia de mostrar um mundo novo a um artista plástico por meio de sons e não de traços. Antes, tal discurso, ao qual a narradora se entrega com intensidade, destaca mais ainda a história a ser contada. A cada depoimento – deixado para Alex, cujas mensagens na secretária eletrônica Érika também não responde –, a força das reflexões aumenta e, ao mesmo tempo, conflito e personagens ganham mais em humanidade.
Sem análises morais, geralmente à mão, e inevitavelmente previsíveis, que Carola supera, indo muito além, Paisagem com dromedário parte do amor mas busca, em meio a esta espécie de rito de passagem (o desejo renovado em outras formas de relação), chegar a um sentido mais convincente para a eterna separação entre viver e criar. Alex escolheu a criação. Na dúvida, buscando a distância para ver melhor, Érika talvez opte por uma terceira saída. (06/08/2010)
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