Tenho cruzado muito eventualmente com Paulo Seben, saio pouco de casa, não sei dos passos do meu xará, mas sou mesmo um bicho-do-mato, não bastasse o Seben ser gremista e eu, colorado. Mas vamos ao que interessa.
Seben está de aniversário hoje, faz 49 anos, um guri! Bem, ainda não é a pauta, que bichos-do-mato não freqüentam festas de aniversários, sobretudo as de 49. Ainda se fossem as de 25, 30 anos, podia rolar alguma coisa...
Professor de literatura na UFRGS e – atenção! – poeta. Sim, o Seben, que 90% da gurizada conhece, é um professor daqueles, fodões, exigente, mas aplicado e generoso na clareza com que expõe os conteúdos do programa que herdou e que, inteligente, renova. Mas e o poeta?
Aliás, bota poeta nisso. Qualquer dúvida, busquem ler e reler seu livro Tango da Independência (Unidade Editorial da SMC-POA, 1995). Há outros, poucos, que o poeta e ensaísta Seben, também fodão, e, assim, criterioso ao máximo, publicou. Pouco (e bem). Hayde e o Homem-Tronco (fevereiro de 1988, disponível desde 2004 no site www.lojadosubsolo.com), Poemas podres (parcialmente escrito na década de 1980), O Uraguai, de Basílio da Gama (Ed. Feevale, 2001, e reescrito e reeditado agora para a Leitura XXI), Caderno Globo 33 (Instituto Estadual do Livro, 2002), A Escrava Isaura (adaptação para neoleitores, L&PM, 2003), além de ter participado de algumas antologias legitimamente antológicas e não meras coletâneas.
Bem, a melhor forma de comemorar o aniversário de um homem, se ele é um poeta, é mostrando o poeta que ele é. E há um poema de Paulo Seben que resume o que é a trajetória de quase todos nós, homens, e dos poetas incluídos, “Caminho”. Leiam esse poema, façam-me o favor. Eis toda a odisséia possível, a do precário, flagrada num instante de travessia de um ser com o qual é impossível não nos indentificar. Além do que, falando em poesia, identificações à parte, o poema, por si só, vale mais que isso. É um mundo novo, instaurado. No caso da obra-prima de Seben, sem favor algum um dos dez melhores poemas já produzidos ao extremo sul do País, um novo mundo na medida que nos restaura o mundo de sempre, perdido no cotidiano sem voz para expressá-lo. E que Seben expressa como raros.
Paulo Seben
Um homem de mãos nos bolsos
cruzando a praça vazia.
Talvez em meio à garoa
ou restos de cerração.
O fato é que está sozinho
e tem nos bolsos vazios
as duas mãos impotentes.
O fato é que está vazio,
e as suas mãos tão sozinhas
cerradas nos bolsos vão
sem poder nem ir à toa.
Caminha rumo ao patíbulo.
As mãos seguram a vida
que tenta fugir dali.
Os dentes cerrados cortam
a língua que quer sair.
Os lábios cerrados calam
a voz que iria gritar.
Caminha rumo ao patíbulo
no frio da antemanhã.
Se houvesse sol, se ele abrisse
os braços pra perguntar
por que caminha sozinho,
por que um bolso é algema,
por que há neblina sempre
e praças que atravessar...
O sol não há. Não há gente
a quem fizesse a pergunta.
Caminha trôpego e chuta
pedrinhas em gol nenhum.
Caminha rumo ao patíbulo
e não deseja chegar.
do Caderno Globo 33 (IEL – Instituto Estadual do Livro, 2002)
Acho que chega. Não tenho mais nada a escrever. Só a ler. E a reler. Como vocês. O aniversariante de hoje merece. (28/06/2009).